sexta-feira, 22, novembro, 2024

República: 129 anos

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Luís Carlos Bedran

 

Luis Carlos Bedran*

Continuamos desde o início da Proclamação da República em 1889, sob a
constitucional proteção de Deus — essa entidade que muitos dos milhões de nativos
ainda desconhecem, mas dizem ser brasileiro —, a ser governados por um presidente
que mais parece um imperador. Assim como ele, também governaram seus
antecessores, herança atávica da Península Ibérica, típica dos portugueses e espanhóis,
desde a Colônia até o Império.
E proclamada a República, por um militar linha dura, o vezo autoritário do
patrimonialismo português não diminuiu, ainda que, alternativamente, o País fosse
governado por civis imbuídos pelas ideias democráticas da velha Europa, mas que
rapidamente foram esquecidas quando conseguiram galgar ao poder. Talvez porque este
seja afrodisíaco, voluptuoso, envolvente. Casados com o poder, não admitem adultérios
e querem sempre permanecer no aquecido leito conjugal.
Depois de duras conquistas, o voto popular e secreto agora é universal, mas os
constituintes que elaboraram as várias Constituições, desde a de 1891 até a atual de
1988 continuam entendendo que o cidadão não sabe votar, que ele é uma criança
travessa ainda e, por isso mesmo, não pode optar por não votar. Ele não pode ter esse
direito. Então o Estado obriga-o a exercer o dever — nem tanto o direito — de votar. E
a isso se chama Estado Democrático de Direito.
A “res publica”, a coisa pública, na língua latina, a dos habitantes da antiga
Roma, mais parece ser privada, do que a do povo. Os mandatários da Nação, com raras
exceções, confundem o que é do povo, com seus interesses particulares e familiares.
Tudo para a família, nada além da família, num nepotismo abrangente, qual tentáculos
de um polvo que vêm sufocando quem não é amigo do rei.
Pois continuamos sob um reinado, não o de um imperador, mas o de um
presidente. A divisão do País em Capitanias Hereditárias, transformadas posteriormente
em Províncias e depois em Estados, veio de cima para baixo. A pretensa autonomia
constitucional dos Estados-membros da federação, governados por mini presidentes,
chamados de governadores, não saiu do papel. É a União que dá as coordenadas, é a
União quem dá as cartas.
Talvez nunca conseguiremos nos libertar do sistema presidencialista. Poderiam
dizer que também nos EUA vige esse sistema político e que lá foi resultante da união
dos Estados-membros em torno da federação, herança da formação imperial inglesa. E
que deu certo.
Mas é que na América do Norte as crises políticas são facilmente superadas, ao
contrário do nosso país, onde os golpes de Estado ocorrem de vez em quando, causando
imensa instabilidade institucional. Porém lá existe uma profunda ideia democrática,
trazida pelos alfabetizados ledores da Bíblia, imigrantes ingleses, os “pilgrims” do
“May Flower”: o do individualismo libertário, inexistente em nossa formação ibérica
caudilhista.
Apenas uma República não bastou para nós: teríamos de ter duas, a Velha e a
Nova. A tumultuada Velha e a não menos complicada Nova, que se estende até hoje.

Como a de Getúlio, o “pai dos pobres” (e “mãe dos ricos”); a de Dutra, que considerava
a Constituição um “livrinho”; a de Juscelino, fundador de Brasília, mas quase que
afundou o País com sua inflação astronômica; a de Jânio, que, sob influência etílica,
tentou dar o golpe, renunciando, para voltar aos braços do povo; a de Goulart, pacífico
caudilho e estancieiro rio-grandense que fugiu após o Golpe ou Contragolpe dos
militares, chamada de Redentora e que se transformou numa ditadura que se estendeu
por décadas.
Tancredo, eleito indiretamente, que nem chegou a tomar posse e foi logo
substituído, inconstitucionalmente, pelo melífluo maranhense Sarney; a do “dândi”
Collor, de triste memória e que sofreu impeachment; a do Itamar, seu vice, topetudo
prefeito de Juiz de Fora; a do sociólogo Henrique Cardoso, que, dizem, queria ser rei,
nos seus oito anos de mandato.
E depois a República do retirante nordestino e ex-operário Luiz Inácio que
conseguiu eleger Dilma, reelegê-la por dois anos, mas que não conseguiu ir até o fim
pelo impeachment. Substituída pelo vice, Temer, que governa, aos trancos e barrancos,
até o final deste ano de 2018.
Como disse num artigo Leandro Karnal, “Brasil bipolar” (“O Estado de São
Paulo”, 24-10): “Estamos afogados na polarização”. E até numa contradição. “(…)
Tradição mantida: independência proclamada pelo herdeiro do trono português,
República feita a golpes de sabre por um monarquista, revolução contra as oligarquias
de 1930, liderada por um oligarca, Getúlio Vargas (…)”.
Houvesse o parlamentarismo, o premier poderia governar com tranquilidade,
com o voto de confiança do Parlamento e então o presidente poderia viajar à vontade,
como de costume, representando a Nação.
Enquanto isso, no próximo ano, do novo presidente eleito, Jair Bolsonaro, que
ele faça um bom governo. E começou muito bem na indicação dos futuros ministros,
com o corajoso juiz Sérgio Moro à frente.
Essa é a República Federativa do Brasil, nos 129 anos de sua proclamação.

*Sociólogo

Redação

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