Com apresentação de José Roberto Torero, prefácio de Mauro Beting e orelha de Zico, o novo livro do jornalista Rodrigo Viana retrata a vida de Sérgio Clérice, único jogador do planeta que atuou em sete clubes italianos da primeira divisão, sendo ídolo e artilheiro em todos eles. Ítalo-brasileiro com mais gols na história do futebol italiano, está à frente dos últimos quatro brasileiros melhores do mundo que atuaram por lá: Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Kaká Sérgio Clérice ficou dezoito anos na Itália e ultrapassou todos os limites. Recordista de gols na Velha Bota – são 187 no total – ao retornar ao Brasil ainda foi técnico da Ferroviária, Palmeiras, Internacional de Limeira e Santos. Depois, como empresário, fez transações milionárias, como a do atacante Evair para a Atalanta. Há outras histórias geniais. “Tudo é hiperbólico na trajetória do Clérice. É difícil imaginar, mas o Gringo, como era conhecido, tinha acabado de completar 19 anos quando recebeu a visita de um emissário da Itália que o observou num jogo entre a Portuguesa Santista, seu time à época, e o Santos, onde surgia o Rei do Futebol. Um foi o maior de todos os tempos e outro o dono da Itália nas décadas de 60 e 70”, aponta o biógrafo Rodrigo Viana. O livro remonta a história de vida do garoto que corria pelo Bairro de Santana, na periferia paulistana, para o estrelato na Itália. País com a ligação mais intensa com o futebol brasileiro, principalmente pela grande imigração de europeus para o Sul e o Sudeste do Brasil entre os séculos 19 e 20, a Itália foi um dos primeiros lugares a serem desbravados por jogadores brasileiros. El Gringo, como era chamado, personifica esta linha imaginária que liga brasileiros e italianos, estacionando em Nápoles, no Palmeiras, no Santos, em Florença, num espaço-tempo que somente o mundo do futebol e seus grandes personagens podem propiciar. “É surpreendente como ele teve momentos marcantes em todos os times que jogou na Itália e ainda se constituiu num treinador de ponta no Brasil, estando à frente de gigantes como o Palmeiras, onde sucedeu a Telê Santana e do Santos, onde sucedeu a Pepe. Sem contar as transações como empresário”, ressalta Viana.
Trajetória impressionante
A trajetória é, de fato, impressionante. No Lecco, é o melhor estrangeiro de todos os tempos com incríveis 66 gols em 212 partidas nos sete anos que lá ficou. Também é considerado o melhor jogador brasileiro que passou pelo Bologna, com 105 jogos e 29 gols. Na Atalanta colocou 10 bolas nas redes em 31 partidas, sendo o artilheiro da equipe em 1968/69. No Verona foi também artilheiro nas duas temporadas em que lá esteve com 19 gols em 61 partidas. É especialmente festejado pelos dois anos que passou na Fiorentina, onde entrou em campo 73 vezes e anotou 29 gols pelo Campeonato Italiano. Lá, está à frente de Julinho Botelho e Amarildo, além de outros nomes brasileiros importantes na memória dos torcedores, como Sócrates, Dunga, Edmundo e Adriano Imperador. “Clérice nunca foi chamado para a seleção brasileira e, mesmo com a ascendência italiana, nunca quis se naturalizar, não tendo jogado pela seleção azurra. É esse o motivo, aliás, que o faz superar, em número de gols, Altafini Mazzola, campeão do mundo pelo Brasil em 1958, mas que se naturalizou e jogou a Copa de 1962 pela Itália. Neste contexto, Clérice é, de fato, o maior”, frisa Viana. O Gringo foi ovacionado nos estádios e, principalmente na passional Nápoles, onde chegou a colocar até 100 mil pessoas no San Paolo com a artilharia dos dois anos mágicos que culminaram na conquista do viceitaliano em 1974 e 1975. Na última equipe em que atuou na Itália, a Lazio, ficaria marcado por ser o único jogador estrangeiro ainda em atividade na Itália, já que atletas de fora do país haviam sido proibidos de jogar em função de um veto que seria revogado apenas em 1980.
Contexto histórico
“Uma biografia não é apenas uma narrativa dos eventos, mas uma espécie de exploração da experiência humana, revelando aspectos profundos e complexos da vida do personagem”, anota o autor que uniu jornalismo, literatura, história e outras áreas do conhecimento numa narrativa clara, objetiva e, ao mesmo tempo, recheada de poesia. “O desafio foi gigantesco. Muitas vezes tive que estudar assuntos que fugiam do meu domínio, mas, por fazerem parte da vida do biografado, precisei entender, como o caso Moro”, diz Viana, referindo-se ao último jogo de Clérice pelo Campeonato Italiano, no empate, por 1 a 1, entre Lazio e Roma, quando foram feitas homenagens aos cinco agentes mortos no caso do sequestro e posterior assassinato do ex-primeiro-ministro italiano Aldo Moro, num ato terrorista ocorrido três dias antes na capital italiana. Foram também resgatadas reportagens de época, da imprensa cotidiana, que traziam notícias sobre Clérice. “Ele foi capa de mais de uma dezena de revistas italianas e recebeu páginas inteiras de importantes publicações brasileiras como a Gazerta Esportiva, a Placar, os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, entre outros. A mim coube seguir as mínimas pistas para unir esses números exorbitantes à história de vida numa narrativa que pudesse fascinar o leitor, fazendo-o chegar ao final do livro”, complementa o autor. Nas cerca de 300 páginas da obra, o leitor vai poder observar o quão complexo foi trabalhar a vida de um ser humano de forma jornalística. Demandou tempo, disponibilidade, pesquisa, apuração e olhar crítico. Por outro lado, foi o que possibilitou ao biógrafo ter repertório suficiente para contar os principais feitos de seu biografado.
Lançamento e pequenas magias léxicas
Com lançamento marcado para o dia 02 de agosto no Teatro do Sesc, em Araraquara, o livro é uma edição da editora ‘A Bola e o Verbo’, do próprio autor. “São mais de 100 imagens entre fotos de época, reproduções de jornais, revistas e outros documentos necessários para contornar a narrativa, numa curadoria cuidadosa”. A obra resgata também particularidades, como o encontro afetivo de Clérice com Maradona no Aeroporto de Milão, na década de 80 e a idolatria que o ex-técnico da Seleção Italiana, Luciano Spalletti, tem por ele. “Foi um trabalho de pauta, apuração, seleção e construção jornalística. Algo que fiz durante toda a carreira, no entanto, num trabalho como este busca-se um aprofundamento maior da informação do que o que se encontra na imprensa do dia a dia e, por isso, o livro-reportagem integra o chamado jornalismo de profundidade ou ainda jornalismo literário”, pontua Viana.
A síntese
Na verdade, o Serginho que corria nas quadras da igreja do Santana e que jogou uma partida determinante em sua vida contra o Santos de Pelé teve uma determinação infinita, cega e surda (como ele mesmo é) aos impossíveis do caminho. Clérice fez de sua fome de futebol o apoio necessário para os momentos difíceis. Este foi o seu segredo e também é seu ensinamento. Assim como o interior do vulcão Vesúvio, de Nápoles, Clérice é lava viva. Soube interpretar o futebol italiano da maneira certa, ainda que hoje no Brasil haja quem se espante com o sucesso alcançado na Itália por um jogador pouco conhecido em sua terra natal. O último dos moicanos, um outsider, vai ter, finalmente, sua saga revelada. Andiamo, Gringo!
O autor
Rodrigo Viana é jornalista e escritor. Mestre em Estudos Literários e Relações Intersemióticas pela Unesp, é autor do livro “As cartas que não chegaram”, pela editora Patuá (2024), e “A Bola e o Verbo, o futebol na crônica brasileira”, pela editora Summus (2013). Especialista em Jornalismo Literário e Esportivo, foi professor de pós-graduação e também viajou o mundo atrás de boas histórias como jornalista: do Mundial do Corinthians, no Japão, em 2012, à maior cobertura midiática de todos os tempos, a Copa do Mundo de futebol no Brasil pela TV Globo/Sportv, em 2014.
O livro
Título: Sérgio Clérice – El Gringo, o vilão elegante
Autor: RodrigoViana
Editora: A Bola e o Verbo
Preço: R$ 130,00
Páginas: 296 páginas – 16 x 23 cm ISBN: 978-65-01-56932-1
Site: www.abolaeoverbo.com/elgringo-prevenda