A deputada estadual Márcia Lia, líder da Minoria na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, é coautora de denúncia protocolada na Comissão de Ética contra o deputado Douglas Garcia, do PSL, por apologia à tortura e à violação dos direitos humanos durante exibição de um filme sobre a ditadura registrada no Parlamento Paulista no dia 08 de abril. O documento foi protocolado em 17 de abril e traz as assinaturas de toda a bancada do Partido dos Trabalhadores, da bancada do PSOL e do PCdoB.
A denúncia se baseia no regimento interno da Alesp, Lei Antitortura, Constituição Federal e Constituição Estadual para cobrar providências disciplinares do deputado, que organizou um evento no dia 08 de abril, no Plenário Paulo Kobayashi, e exibiu o filme “1964, o Brasil entre armas e livros”, seguido de mesa de debates com personalidades que defendem a Ditadura Militar como regime que “libertou o Brasil do comunismo e dos comunistas”.
O evento, do qual também participou o deputado Castello Branco, do PSL, além de Douglas Garcia, acabou se transformando em desagravo e homenagem à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2.º Exército, e do delegado Sérgio Paranhos Fleury, do antigo Departamento de Ordem Política e Social da Polícia Civil de São Paulo, o DOPS, durante a Ditadura Militar.
As homenagens foram comandadas pelos convidados da mesa de debates, o advogado Renor Oliver, o ex-marinheiro José Anselmo dos Santos, conhecido como cabo Anselmo, e o ex-delegado Paulo Oppido Fleury, filho de Sérgio Paranhos Fleury.
Uma das falas em apologia à tortura partiu de Cabo Anselmo, o mais famoso agente infiltrado da Ditadura – ele disse que “gostaria que houvesse um choque para tratar com firmeza” o domínio da esquerda nas universidades.
Na sequência, Paulo Fleury disse ao microfone: “Ustra vive! Fleury vive!”. Foi aplaudido, e arrancou gargalhadas ao relatar as peripécias de seu pai. “Minha missão agora é resgatar a imagem de Sérgio Fernando Paranhos Fleury. Quarenta anos (desde a morte do pai, em 1979), tomando porrada, ouvindo absurdos, sendo ofendido e perseguido”. Demitido em 2010 da polícia, Paulo Fleury disse que o pai “foi um dos grandes heróis que defenderam o País”. Foi apoiado pelo delegado Carlos Alberto Augusto, o Carteira Preta, outro veterano do DOPS convidado por Garcia a compor a mesa. “Tive a honra de trabalhar por sete anos com Fleury. Quero fazer um agradecimento à família Fleury, pois trabalhei com um delegado de polícia homem. E agradecer ao Cabo Anselmo pela ajuda que eles nos deram.” Também foi aplaudido.
Ditadura e violação de direitos
A denúncia dos deputados do PT, PSOL e PCdoB mostra que o deputado Douglas Garcia presidiu a mesa do evento assumindo objetivamente sua intenção direta de homenagear os torturadores no espaço público da Assembleia Legislativa, ainda usando sua capacidade de educação política para ovacionar o estado de exceção e autoritário iniciado em 1964, além de promover homenagem pública a esses torturadores cruéis contumazes. “Esses personagens participaram de forma efetiva de ações repugnantes de violação aos direitos humanos nesse período nefasto da história brasileira, reverenciando figuras que reconhecidamente atuaram como agentes da repressão do Estado, praticando tortura e outros crimes bárbaros”, reforça a denúncia.
Além disso, quando Cabo Anselmo e Carteira Preta dizem ter trabalhado com delegado Sérgio Paranhos Fleury, na forma do artigo 4º da Convenção contra a Tortura, se tornam cúmplices e partícipes de atos de tortura, diz a denúncia. “O deputado que intimamente convida, cede a palavra na mesa e agradece a participação de tais personalidades assume para si toda a responsabilidade pelo ato e evento ocorrido, indiretamente fazendo apologia ao crime de tortura e atentando contra a Constituição vigente quando também propaga ideais de um estado de exceção, contrariando os princípios do estado democrático de direito”.
Transgressões
No texto apresentado à Comissão de Ética, os deputados relacionam o conjunto normativo transgredido pelo deputado Douglas Garcia de acordo com a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei Federal nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, para cumprir a regulamentação fixada no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. “Diz o texto legal: Art. 3o – São objetivos da Comissão Nacional da Verdade: (…) VI – Recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional.”
Adiante, o texto lembra que a Resolução 879/2012 da Alesp criou a Comissão da Verdade Paulista e, desta forma, o Legislativo incorporou sistematicamente as diretrizes do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e da lei federal 12.528/11, para passar a limpo a história deste período da ditadura militar. No relatório final da Resolução consta Tomo I item 3: “Proibição de homenagens a agentes públicos que são autores de graves violações dos direitos humanos, incluindo reformulação de leis que nomeiam ruas, alamedas, avenidas e rodovias com nomes de agentes acusados de autoria de assassinatos e torturas”.
Ou seja, a Assembleia Legislativa de São Paulo incorporou em suas regras de conduta, inclusive interna, a proibição da promoção de atos para enaltecimentos e apologias honoríficas e ou simples homenagens a qualquer agente público autor de graves violações de direitos humanos. E o deputado Douglas Garcia violou, assim, as recomendações e regras da Alesp.
Apuração
Como encaminhamento da denúncia, os 15 deputados denunciantes pedem que seja apurada a conduta do deputado Douglas Garcia por apologia à tortura e violação dos direitos humanos ao veicular o filme, ao convidar com seu íntimo apoio personagens que fizeram parte dos aparelhos repressivos e de tortura e homicídios e por esta conduta ter sido verificada dentro do Legislativo que por si só é uma representação do Estado democrático.
A denúncia cobra do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Alesp uma avaliação desta violação das normas e princípios constitucionais e as regras da Assembleia Legislativa, remetendo ao Regimento Interno da Alesp, artigo 92, que trata da perda do mandato pelo parlamentar cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar, e ao Código de Ética e Decoro Parlamentar, artigo 32, para lembrar deveres constitucionais do parlamentar como o aprimoramento da ordem constitucional e legal do Estado e do País, particularmente das instituições democráticas e representativas, bem como pelas prerrogativas do Poder Legislativo.
Se refere ainda ao artigo 55 inciso 2º da Constituição Federal para reforçar a fundamentação para perda de mandato de deputado por procedimento incompatível com decoro parlamentar, diretrizes que também constam na Constituição do Estado de São Paulo.
“Esta Casa Democrática não pode permitir manifestações dessa natureza. Não podemos permitir apologia a um regime de exceção, que teve como ingrediente principal a covardia perpetrada por agentes das Forças Armadas que saíram de seu papel constitucional para violar direitos e garantias do cidadão. Pelo exposto, impõe-se a esta Casa que adote o procedimento previsto para uma rigorosa apuração dos fatos, inclusive com a perda do mandato se assim entenderem os membros do Conselho”, finalizam os deputados.
Assinam a denúncia os deputados Márcia Lia, Beth Sahão, Doutor Jorge do Carmo, Emídio de Souza, Ênio Tatto, Zé Américo, Luiz Fernando Ferreira, Paulo Fiorilo, Bebel Noronha e Teonílio Barba, do PT; Carlos Giannazi, Erica Malunguinho, Isa Penna e Monica da Bancada Ativista, do PSOL; e Leci Brandão, do PCdoB.