Da redação
Tem gente que entra na livraria e ao ficar sabendo do seu fechamento, chora. As prateleiras que vão se esvaziando, pois não estão sendo repostas antecipam a perda do espaço. Um assíduo frequentador estava desolado e comparou o fechamento a perda de um ente querido. Uma jovem que costuma ‘flertar’ com vários livros e revistas e passa horas no local ao sair do lugar é informada que a livraria vai fechar. Ao ouvir a notícia seu corpo se retesou, seu rosto se convulsionou em vários tons de vermelho como se tivessem disparado vários tiros em seu coração. Triste, mortalmente ferida em suas emoções ela se vira devagar e lança um desesperado olhar para o lugar e não sabe direito o que sente. É como se estivesse sendo expulsa de um paraíso, o literário.
Questionado sobre a razão de uma livraria que é uma da referências culturais de Araraquara, além de reduto de aficionados por leitura, fechar suas portas e com data marcada: 30 de junho, o gerente geral da Distribuidora Andrade, Eduardo Munhoz Andrade, explica de uma forma geral e consciente que não dá mais para postergar anos de prejuízo. Não dá lucro, além disso, o prejuízo que tem a cada mês ultrapassa o valor da locação, pois o imóvel pertence à sua tia. “Conseguimos uma pessoa para alugar e bola pra frente”, acrescenta não sem dor.
Eduardo diz que um fator é que o brasileiro também tem uma falta de cultura, porém vê no ramo de livros um crescimento de vendas. “Mas em relação à banca de jornais, a gente fecha de duas a três a cada semestre. De 200 bancas, hoje não estamos nem com 80. Hoje é uma profissão em extinção”.
Ele observa hoje que o ramo de revistas vem caindo absurdamente até porque hoje existe muita facilidade de se encontrar informação na Internet.
Outra coisa é que com a crise, ele ressalta que as pessoas começaram a cortar aquilo que consideram supérfluo e a revista entrou nessa. “A crise acabou acentuando essa queda a gente vinha caindo de 4% a 5% ao ano ou se mantendo ano a ano, sem contar a inflação. Quando veio a crise em dois anos foram 50% de queda. Para se ter uma ideia muitas revistas sumiram, não existem mais e, de dois, três anos pra cá, revistas como Contigo e Playboy de semanal viraram mensal e posso citar inúmeras outras revistas na mesma situação”, diz acrescentando que hoje, nas bancas, principalmente em países como Estados Unidos, se vê quase tudo, mas o mínimo de revistas. “As figurinhas da Copa deram uma ajuda para as bancas. Mas agora só daqui a quatro anos”.
Vale ressaltar que a Livraria ‘Vamos Ler’ começou como uma papelaria na Rua São Bento, por Abelardo Maria Andrade, avô de Eduardo que acabou ‘herdando’ o legado e a responsabilidade do pai Ricardo e do avô Abelardo Maria.
Questionado sobre quantos anos tem a livraria, Eduardo conta emocionado, que em sua sala um quadro revela quanto tempo, pois neste há uma foto que registra a homenagem da Editora Abril pelos 50 anos de parceria com seu avô Abelardo. Isso foi em 2000. Então, somando são 68 anos de fundação.
Cultivando um bom hábito
A Livraria ‘Vamos Ler’ fecha definitivamente suas portas no dia 30 de junho.
Fim triste para um lugar que marcou tantas vidas como conta o jornalista Roberto Schiavon. “A Livraria ‘Vamos Ler’ começou a marcar minha vida ainda na adolescência, quando meu pai (Sidney Schiavon) fazia questão de me levar para acompanhá-lo na compra de jornais e revistas, com o objetivo de ajudar a cultivar meu hábito da leitura. Nos anos seguintes, a livraria se tornou um dos meus pontos de parada obrigatórios no centro da cidade, para ver os lançamentos de revistas de música, cinema e histórias em quadrinhos e conferir se havia novos livros nas estantes. Foram incontáveis publicações adquiridas nesse estabelecimento, mais um que se rende aos novos tempos, em que as pessoas fazem suas leituras apenas na internet, quando leem. O fechamento da livraria é sinal dos tempos e uma pena para os apreciadores da leitura”.
Já Sérgio Roberto Pires que trabalhou na ‘Vamos Ler’ e na distribuidora Andrade, proprietária da livraria durante mais de 20 anos conta que no primeiro ano em que entrou para a empresa trabalhava no período noturno como atendente e caixa e a notícia do fechamento da livraria o deixou extremamente triste. Para ele, a Internet acabou com revistas e também com a leitura de uma forma geral. “O que se vendia de jornal era impressionante. Muita gente se reunia, principalmente, aos domingos pela manhã. Quando tinha o cinema então, nossa, era demais! Foi um tempo bom. Vi muita coisa ali. Foram 22 anos. Trabalhei com o saudoso senhor Abelardo e o filho dele, Ricardo que faleceu em 2008. Com isso, o Eduardo, filho de Ricardo passou a tomar conta, mas lamento o fechamento, imensamente”.
Sérgio Martins: adequação para o mundo virtual
Para o jornalista, Sérgio Martins, da revista Leia Tour, o brasileiro faz tempo que abandonou a leitura. “O fato da busca por uma boa literatura, acredito que seja um dos fatores, que contribuíram para o fechamento da Vamos Ler. Se sua administração, dificilmente, encontraria uma saída para concorrer com a velocidade do mundo da mídia eletrônica. A revista Leia Tour está no mesmo caminho, passamos para bimestral e estamos nos adequando para o mundo virtual”.
Perdendo o principal canal de comunicação com o leitor
Para o jornalista e comunicador Luis Antônio, quando fecha uma livraria, perde-se um importante local de propagação de conhecimento e informação. “É uma pena que estabelecimentos tradicionais, referência de várias gerações de leitores, feche as portas definitivamente”.
Ele cita que São Carlos perdeu recentemente a Sideral, livraria tradicionalíssima, e outra mais recente instalada no shopping. “Araraquara não passaria imune a isso. É uma pena. Há dois aspectos que ajudam a compreender a agonia das livrarias. O mais evidente é a ausência de um público leitor. A péssima educação brasileira oferecida no Brasil distancia a população da leitura – especialmente aquela de maior relevância, fundamental para registrar a sociedade e pensar o país”.
Para Luís Antônio, não menos importante é a concorrência dos meios eletrônicos, com grande disposição de livros – novos ou usados – pela internet. “O consumidor, inclusive de livros, adere a compra rápida e sem transtornos que a internet possibilita, inclusive com redução de custos aos empresários. Os estabelecimentos tradicionais tem dificuldade de estabelecer concorrência com esses novos formatos. Mais do que a pela oferta de livros, ainda vasta na internet, a oferta de informação fica cada vez mais dependente da internet, onde proliferam as fakenews e a avalanche de informação deixa tudo mais confuso. Sem as bancas, jornais e revistas perdem o principal canal de comunicação com o leitor. O fechamento de uma banca é a agonia da mídia impressa, da informação mais confiável, que pode ser levada pra casa, recortada, trabalhada na escola “.
Por Ignácio de Loyola Brandão
Comigo acontece uma coisa estranha. Não choro, fico sempre no quase choro, a garganta sufocada, quando pessoas que são queridas partem. No entanto, tenho vontade de gritar de desespero quando uma livraria fecha. E ao longo dos últimos anos elas vêm cerrando portas, uma atrás da outra neste Brasil. E os livros? O que fazer com eles? Não há mais como chegar aos leitores que, ao abri-los, dão vida a eles. As livrarias são a nossa, de nós escritores, comunicação com os leitores. Cortando este laço, cancelam a nossa porta de comunicação, nossa razão de ser.
Um livro sem leitores o que é? Um livro sem livrarias o que é? Um objeto sem significado. Inútil. Nos deixa sem voz, mudos, sem sentido. Escrever para quê? Para quem?
Governos e mais governos têm fechado livrarias, porque sem dominar as crises econômicas, vão sufocando o comércio. Grave, triste, mais do que isso, dramático. O atual presidente não hesita um instante em tirar verbas da cultura, da educação, da saúde. Gastou bilhões “comprando” parlamentares a fim de que recusassem as denuncias da Procuradora Geral contra ele. Raspou o tacho. Não sobrou nada.
Vocês sabem que o presidente é um poeta? Tenho um livro dele, Anônima Intimidade. Ganhei certo dia quando ele visitou a Academia Paulista de Letras. Li. Por dever de oficio. Repasso três poemas de sua excelência.
RADICALISMO
Não. Nunca mais.
SABER
Eu não sabia.
Juro que não sabia
TRAJETÓRIA
Se eu pudesse
não continuaria
Bem, aquele touro indomável chamado Marum deve ter inspirado trechos tão brilhantes. Mas qual o porquê de tanta falação e indignação? Tudo isto por causa de uma infausta noticia para a nossa cidade. Ela me chegou por meio de Célia Pires e foi um baque. Uma livraria com 50 anos de existência, no centro de Araraquara, a Vamos Ler está para fechar. Aliás, fechará no dia 30. Casos como este se sucedem no Brasil. Enquanto isso, o governo tira dinheiro da cultura, da educação e da saúde, para cobrir as burradas. Perdi a conta de quantas livrarias e bancas se fecharam no Brasil e em minha cidade nos últimos 40 anos. Uma atrás da outra.
Acho que tem a ver também com a cultura, como ela é tratada aqui. Um grupo de autores sempre me pergunta: sua cidade teve nomes como Ruth Cardoso, Antonio Candido, Gilda Mello e Souza, Mario de Andrade, Zé Celso, Livio Abramo, Judith Lauand, Dante Moreira Leite, Maria Helena Moura Neves, nela lecionaram figura exponenciais como Jorge de Sena, grande tradutor, Soares Amora, Fausto Castilho que traduziu Heidegger e outros, e as livrarias abrem e fecham. Não gostam de ler na sua terra? Uma cidade universitária e as livrarias não florescem. Abrem e murcham. Araraquara jamais teve uma Feira Literária, uma Bienal de livros, seja o que for. A cada ano vou a Ribeirão Preto e vejo que está chegando à vigésima feira de livros deles, hoje nacional, com repercussão em todo país. E em Araraquara, nada. Alguma explicação? Assim, aqui vi fechar uma livraria atrás da outra, desde a Ramalho, a São Bento, a Acadêmica do grande Neil Passos, a Nobel. E o que nos diz o prefeito Edinho Silva, que conheci meio garotão, como funcionário da Livraria da Marina, ali ao lado da Matriz, e que sabia onde estavam todos os livros e, vez ou outra conversava comigo sobre autores? Agora a Vamos Ler também cerra, e nada. Fica por isso mesmo?
*Ignácio de Loyola Brandão, 81 anos, araraquarense, 44 livros publicados, doze traduzidos para quinze línguas, seis Jabutis, prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras pelo Conjunto da Obra. Começou na Folha Ferroviária, da Lázaro Rocha Camargo, e neste O Imparcial, do velho Antonio, que soube fazer jornal, e seu filho Paulo Silva.