“Tempo” é um projeto que consiste em um livro publicado e outro sendo escrito (ambos com 52 fragmentos cada), um blog (no qual ilustrações de artistas aos fragmentos são publicados, dialogando com o texto), uma comunidade de leitores no Facebook, hoje com cerca de 900 participantes. Seu autor é Valdemir Pires, professor da Unesp Araraquara, da área de Administração Pública radicado em Piracicaba, que deu vazão a uma veia artística, filosófica e reflexiva para encarar esse tema que encanta de cientistas às pessoas mais humildes. Afinal, quem não teme ser subjugado pela ação do tempo?
“O projeto originou-se de minha vontade de escrever num formato que não
fosse aquele em que estou acostumado (acadêmico e político). Serve como
uma espécie de oficina ou laboratório para que eu me torne capaz de escrever como gente e não como economista ou professor. Quanto ao tema, surgiu depois de eu ter morrido três vezes”.
As três mortes a que se refere o escritor ocorreram de 2005 para cá: primeiro, escapando de um acidente aéreo; depois, de um aparente mal súbito que o levou a uma queda com uma batida grave na cabeça sem deixar sequelas e, por fim, uma doença urinária grave, em que um médico o desenganou.
“A morte é o fim do tempo naquilo que ele tem de essencial para nós –
duração. Ao ter me deparado com este fim, percebi que o tempo é tudo e é,
também, nada. Por isso não sabemos o que é, nunca soubemos.” E acrescenta Pires: “Agora estou pronto para a quarta morte. Quero entender o que é o tempo antes dela.” Ele diz que o projeto não é uma resposta a um possível medo da morte, mas a percepção da sua inevitabilidade, além da incerteza de quando ela ocorrerá.
Apesar dos fatos, o “Tempo I”, seu primeiro livro do projeto, passa do medo à perplexidade, do riso à seriedade, da inexorabilidade ao fugaz. São 52 capítulos, correspondentes às 52 semanas do ano, cada um com um fragmento filosófico, científico ou artístico, seguido de pequenos ensaios ou crônicas ou reflexões do próprio autor. Tornando o projeto mais atraente, cada capítulo é finalizado com uma arte – um clipe musical, um poema, uma ilustração – que dialogue com o capítulo. A capa é de Camilo Riani. E, para os que levarem o tema a sério, a comunidade do Facebook debate cada capítulo e aceita sugestões para o Livro II.
Para escrever essa segunda etapa do “Tempo”, Pires pediu afastamento da
Universidade, sem vencimentos. “Isso tem a ver, sim, com a vontade de tocar estre projeto, deixar-me absorver por ele. Mas tem a ver também com a percepção de que meu projeto de vida anterior – na Universidade – se tornou frio. Não vejo mais esperança para a Universidade no Brasil, se nada, radical, for feito contra o estado de coisas atual”, pontua o escritor.
O trabalho começou a tomar vida há 11 anos. “Vinha colecionando
observações desde 2010, mais ou menos, mas o volume cresceu depois da
crise urinária. Como fiquei mais ou menos imóvel com uma sonda, tive o tempo que sempre me faltou para escrever livremente. Este trabalho me permitiu manter a sanidade naquela situação”, explica Pires.
Mesmo assim, por que tratar do tempo?
“O tempo é de uma beleza de que raramente suspeitamos. Isso porque o tempo é, de certo modo, o homem.
Não há tempo fora do homem. O universo não fala a língua do tempo. Mas
nós tentamos impô-la a ele. Só esse esforço de um mini-Davi contra um
mega-Golias faz do homem um ser de uma beleza indescritível — esse
ímpeto para transcender. Formiga insatisfeita, bicho ultra-desejante”.
E ainda: “Entender o tempo é entender a nós mesmos. Profundamente. E
nunca entenderemos por completo. Assim: como eu não sabia nada
achava que sabia tudo. Mas este tudo é muito pouco perto do que sei
hoje, quando acho que não sei nada”, reflete Pires.
O livro é tem um formato simples: PDF. Para adquiri-lo, basta solicitá-lo pelo e- mail do autor: pires.valdemir@gmail.com. Ele pede R$ 20 para uma cota de dez exemplares cuja distribuição ele, logicamente, não tem como controlar.
Mesmo assim, Pires diz que todos os que lhe solicitaram pagaram, alguns até a mais. O exemplar vem com autógrafo virtual, o que traz mais interação entre autor e leitor.
Enquanto escreve o “Tempo II”, Pires já tem material para o “Tempo III”. Para o “Tempo II” ele está chamando artistas que queiram ilustrar seus 52 capítulos.
Os interessados também podem entrar em contato por e-mail.
Trajetória
Pires nasceu em Araras em 1963 e mudou-se para Piracicaba quando passou no vestibular da Unimep em 1983. Morou em Campinas e São Paulo. Voltou para Piracicaba, onde reside até hoje, para criar o filho Bruno, nascido em 1989. “Em Piracicaba trabalhei por quinze anos como professor da Unimep e fui Secretário de Finanças, economista recém-formado.”
“Desde adolescente cultura e arte me atraíam e de mim fugiam, por causa da pobreza toda. Dos 12 aos 15-16 fui ator amador (tendo ganho um prêmio em Limeira, que acabei não recebendo), escrevi uma peça na escola, praticava a tradicional má poesia adolescente-escolar, fui do Coral “Os Pequenos Rouxinóis” (Coral da Lolita, em Araras). Quando ela decidiu por uma opereta, “O gato de botas”, em que eu seria o próprio, o coral acabou… Depois veio o ganhar a vida, que a tudo arrasta”. Também ganhou concursos infantis de desenho do Rotary, mas não se desenvolveu nas artes plásticas.
Na Unesp de Araraquara, lecionou inicialmente como substituto em 2000-2001, iniciando carreira como professor concursado no final de 2005.