Hamilton Mendes/Colaboração
Em 1807, com a Europa praticamente toda ocupada por Napoleão Bonaparte, e diante da iminência da invasão de Portugal pelas tropas do líder francês, a família real portuguesa, liderada pelo príncipe regente Dom João, decidiu transferir a corte para o Brasil, sua maior e mais rica colônia. A capital do Reino passou a ser o Rio de Janeiro.
D. João VI foi o único monarca europeu a escapar de Napoleão. Jogada de mestre.
A chegada da corte, em 22 de janeiro de 1908, marcou o início do período joanino, um período de profundas transformações no Brasil, e também nas terras de Aracoara, onde posseiros e aventureiros em busca de oportunidades já se instalavam há tempos.
Passados 7 anos, em 16 de dezembro de 1815, o Brasil foi elevado à categoria de reino e o príncipe regente D. João tornou-se soberano do Reino Unido de Portugal, do Algarve e do Brasil.
Já nessa época os moradores do povoado de Araraquara, liderados por Pedro José Neto, construíram uma pequena igreja (onde hoje fica a Igreja Matriz de São Bento) e se mobilizavam para conseguirem a nomeação de um padre, além do reconhecimento da Coroa como comunidade.
Uma carta foi redigida pelos moradores locais em 1816, e enviada ao Bispo de São Paulo, via Vigário da Vila da Constituição (hoje, Piracicaba).
O pedido foi aceito, e em 22 de agosto de 1817, pela Resolução nº 32 do Reino de D. João VI, é fundada a Freguezia de São Bento de Araraquara.
O detalhe é que quem intercedeu em favor de Araraquara foi o Senador do Império Nicolau de Campos Vergueiro. Foi ele quem entregou a documentação ao Bispo de São Paulo e fez o processo andar.
Nascido em 20 de dezembro de 1778, Senador Vergueiro era advogado, e mudou-se para o Brasil em 1803, ingressando imediatamente nas mais importantes esferas políticas e econômicas de São Paulo.
Foi pioneiro na implementação de uma força de trabalho livre no Brasil, trazendo os primeiros imigrantes europeus para trabalhar em suas terras
Em 1807, Vergueiro adquiriu uma sesmaria na Vila da Constituição (Piracicaba), e 7 anos depois, adquiriu a sesmaria do Monjolinho, que ficava nos Campos de Araraquara.
O Senador, portanto, tinha todo o interesse na criação da nova Freguezia, o que permitiria a penetração no sertão e facilitaria as comunicações de São Paulo com as isoladas províncias de Mato Grosso e Goiás.
Em 1821, às vésperas da independência do Brasil, tornou-se membro do governo provisório da província de São Paulo. Ocupou outros cargos nas províncias de São Paulo e Minas Gerais. Como representante de São Paulo, participou ainda da assembleia constituinte de 1823 que elaborou a primeira constituição brasileira.
Político influente, com a abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831, foi eleito um dos regentes da Regência Trina Provisória, que governou o Brasil por três meses, e fez a transição para organizar o novo Reino, já que o herdeiro do trono D. Pedro II tinha apenas 5 anos de idade.

Araraquara é elevada à Vila e passa a ter autonomia política
Criada como Freguezia em 22 de agosto de 1817, Araraquara foi “bairro” da Vila da Constituição, hoje Piracicaba até 1832, quando foi elevada à condição de Vila e passou a ter Câmara Municipal
Passados 15 anos de sua fundação, finalmente Araraquara conseguiu sua emancipação política, sendo elevada à Vila de São Bento de Araraquara em 10 de julho de 1832.
Integrando o gabinete, e assumindo em seguida como Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império, o senador Vergueiro continuava cuidando das coisas de Araraquara na capital, Rio de Janeiro.
A delimitação do território da nova Vila demorou um ano, e em 24 de agosto de 1833 a primeira Câmara Municipal de Araraquara assumiu em um casarão localizado ao lado da igreja Matriz.
O primeiro presidente foi Carlos José Botelho, proprietário da sesmaria do Pinhal, que integrava o território de Araraquara e onde mais tarde nasceria a cidade de São Carlos.
Botelho morava aqui, e morreu em 25 de novembro de 1854, sendo enterrado no altar da Igreja Matriz.
Apesar do isolamento da pequena Vila, o próprio Botelho e outros líderes locais, como o capitão Manoel Joaquim Pinto Arruda eram bastante influentes junto ao governo Provincial.
Governador de estado araraquarense, e Câmara cria distrito de São Carlos
O tempo passava, e a economia de Araraquara evoluía lentamente, dada as dificuldades para o escoamento da produção.
Nos tempos iniciais os moradores criavam gado, produziam derivados de leite, como queijo, mas também plantavam milho, feijão, arroz e algodão.
Finalmente, em 1857, Antônio Carlos de Arruda Botelho (futuro conde do Pinhal), filho de Carlos Botelho, reedita o pai e assume a presidência da Câmara de Araraquara. É em seu mandato, que durou até 1860, que os vereadores locais aprovam a criação do distrito de São Carlos, doando terras para quem lá quisesse se instalar. São Carlos permaneceu
distrito de Araraquara até 1865, quando foi elevada à Vila.
Foi nesse ano de 1865, aliás, que a Câmara Municipal de Araraquara foi presidida por Joaquim de Almeida Leite Moraes, avô do escritor Mário de Andrade. Joaquim era um político muito influente, e anos depois, em 1880 foi nomeado pela Coroa, presidente da Província de Goiás, o equivalente ao atual governador do estado de Goiás.
Ferrovia, boom econômico e mais força política
Poucos anos depois, Araraquara, que já produzia café e cana de açúcar, experimentou um boom econômico, e isso aconteceu com advento da chegada da ferrovia. Era 1885, e com a chegada dos trilhos chegou a Cia Paulista de Estradas de Ferro. O período também é marcado pela fundação, por iniciativa de Carlos Baptista Magalhães, da Cia Estradas de Ferro de Araraquara.
Magalhães tratou de levar ramais dos trilhos para dentro das fazendas locais, o que facilitou o escoamento da enorme produção e Araraquara tornou-se uma das maiores exportadores do país. Um ano depois, em novembro de 1886, Araraquara mostra mais uma vez sua importância política no período, e recebe a visita oficial do Imperador D. Pedro II.
A nova cidade, a República e a força de Araraquara
A força do café e a ferrovia impulsionam Araraquara, um novo grupo assume o controle político local e uma nova cidade sai do papel
Quatro anos depois da chegada da ferrovia na cidade e três depois da fundação da EFA e da visita do Imperador D. Pedro II, o Império caiu e a República é instaurada no País.
Por aqui, duas lideranças fortes e influentes nas altas searas do país, o republicano Coronel Antônio Joaquim de Carvalho, amigo pessoal do presidente (atual governador) de São Paulo e o monarquista Coronel Joaquim Duarte Pinto Ferraz (com forte influência entre as forças da
monarquia), se desentendiam o que acabou culminando em um crime que mudaria para sempre os rumos da cidade.
O assassinato de Antônio Joaquim de Carvalho pelo jornalista Rosendo de Brito, e o linchamento de Rosendo e de seu tio uma semana depois por capangas da família Carvalho marcou uma ruptura na política local. Os fatos aconteceram em 1897.
Daquele ano, até 1907 a política de Araraquara ficou sob forte influência de Teodoro de Carvalho, genro de Coronel assassinado, Antônio Joaquim de Carvalho, e secretário de governo do presidente (governador) de São Paulo, Campos Salles, o que não agradava boa parte da população e da classe política local.
Então, em 1908, Bento de Abreu Sampaio Vidal, Major Dario de Carvalho, Carlos Baptista Magalhães, Cel. Souza Mendes dentre outros formaram um novo grupo político e assumiram os destinos de Araraquara com planos ousados: construir uma cidade do zero. Uma cidade com infraestrutura, iluminação, arborizada, asfaltada, com escolas e cultura.
Com fácil trânsito nos governos do estado e federal, líderes locais, como Bento de Abreu, elegeram-se deputados (Bento de Abreu o fez várias vezes), e entre 1908 e 1930 construíram o riquíssimo Teatro Municipal, cópia idêntica da Ópera Garnieri, de Paris, o Hotel Municipal, o atual prédio da Casa da Cultura, praças, abriram escolas (inclusive uma das primeiras de classes mistas do país), criaram o Conservatório Dramático e Musical e a Escola de Belas Artes, dentre outras realizações que transformaram os destinos da cidade.
Cai a Velha República e nascem novas lideranças na cidade
Com a Revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder, um novo grupo político assume os destinos da cidade. Liderados por Francisco Vaz Filho, José Maria Paixão, dentre outros, o grupo era alinhado com as causas da Revolução de 30, e tinham bastante trânsito junto aos interventores nomeados por Getúlio no estado, obtendo assim influência junto ao
Governo provisório, que buscava apoio das lideranças políticas nas cidades para governar e promover as reformas prometidas com maior tranquilidade.
Mas as reformas demoravam por demais, uma constituinte e eleições gerais nunca saiam do papel e estoura a Revolução de 32.
Em Araraquara, os apoiadores de Getúlio se uniram à causa da revolução, promoveram alistamento de voluntários e organizaram a cidade para garantir roupas, alimentos, calçados, dentre outros, para manter os soldados no front.
Com o fim da revolução, em 3 de outubro, Araraquara foi ocupada por tropas mineiras, e o major Candido Faustino é nomeado interventor na Prefeitura local, em substituição ao prefeito Francisco Vaz Filho. Nada demorado, porém. Poucos dias depois, mostrando toda a força política dos líderes locais, Vaz Filho reassumiu a Prefeitura e a vida seguiu.
Ainda nos anos 30, Ademar de Barros chega ao governo de São Paulo, e as lideranças locais trataram de estreitar o relacionamento com o novo chefe do estado. E essa proximidade fez muito bem ao progresso de Araraquara. Ademar apostou na extensão das linhas da Estrada de Ferro Araraquara (EFA) até as divisas com o Mato Grosso, e investiu fortemente da cidade.

Influência que atravessou gerações e revoluções
De Getúlio à Lula, Araraquara sempre se manteve nos corredores do poder
Mesmo com a instauração da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945), Araraquara continuou com forte influência junto aos governos do Estado e Federal, dadas as boas relações das lideranças locais com os próceres do poder.
Dentre tantas figuras proeminentes da época, destacam-se Francisco Vaz Filho, Christiano Infante Vieira, Cantídio Affonso dos Santos, Dr. Lafayete Muller Real, Dr. Heitor de Souza Pinheiro, José Maria Paixão, José de Abreu Izique, Antenor Borba e o Dr. Camilo Gavião de Souza Neves, todos prefeitos nomeados pelo governo Vargas.
O fim do Estado Novo marcou a chegada de uma nova era, com eleições diretas e universais em todo o território nacional.
No período, Araraquara experimentou uma grande renovação de suas lideranças, surgindo nomes que marcaram a história local, como o engenheiro José dos Santos (responsável por trazer o DER), Antônio Tavares Pereira Lima (diretor da EFA, fundador da Ferroviária e
responsável pela construção do estádio do clube, hoje Arena da Fonte), Romulo Lupo (Dotou 100% da cidade de infraestrutura, criou a CTA e trouxe o ônibus elétrico, dentre outras realizações), e Benedito de Oliveira, que executou a canalização do córrego da servidão, abrindo caminho para a construção da Via Expressa, projeto de 1937.

Na época, a política do país equilibrava-se entre lideranças como Juscelino Kubitscheck, Ademar de Barros e Jânio Quadros, para citar os mais proeminentes, todos com fortes relações e não menos fortes correligionários na cidade. As portas do poder sempre estiveram abertas à
Araraquara.
E não apenas através da classe política Araraquara se relacionava com o poder. O Comendador Pedro Morganti, por exemplo, mantinha excelentes relações com o presidente Juscelino Kubitscheck, que chegou a visitar Tamoio.
Entre os anos 50, 60 e 70, Araraquara não se limitou às boas relações, e elegeu representantes, como os deputados Aldo Lupo, Leonardo Barbieri, Pedro Marão e Scalamandré Sobrinho, por exemplo.
Chegam os anos 70 e 80, e com eles Clodoaldo Medina e Waldemar De Santi, homens que ganharam a confiança da população e ficaram à frente dos destinos da cidade por quase 30 anos. Fortes politicamente, os dois sempre se mantiveram próximos dos governadores da época, e embora Araraquara tenha ficado por quase todo o período sem representação
parlamentar, a cidade obteve os benefícios que precisou, como a construção na rodoviária e boa parte das obras da Via Expressa.
Roberto Massafera chega ao 6º andar do Paço em um momento propício. A cidade tinha elegido dois deputados, Dimas Ramalho a estadual e Marcero Barbieri a federal, estava com os dois pés dentro do governo do estado desde a eleição de Franco Montoro, passando por Orestes Quércia, Fleury e depois Mário Covas. A proximidade de Barbieri com Quércia, e de
Dimas com Covas foram de grande importância na época.
Logo depois, Fernando Henrique Cardoso chega à presidência, justo ele que frequentava a cidade desde os anos 50, tinha grandes amigos, como Renato Rocha, dentre outros por aqui e era casado com a antropóloga araraquarense, Ruth Cardoso. Pronto: Araraquara estava também dentro do Palácio do Planalto.
Então, Edinho surge quase que do nada nas eleições de 2000. Partiu de 4% das intenções de votos contra pesos pesados da política local para a vitória. Houve quem dissesse que Araraquara tinha ido pela contramão.
O tempo, porém, é o senhor da razão, e Lula chega ao poder em 2002, devolvendo Araraquara para dentro dos gabinetes do poder, em Brasília.
Já em São Paulo, José Serra e Geraldo Alckmin alternam-se no poder, e cidade segue firme com sua influência junto ao Palácio dos Bandeirantes graças a força política dos deputados Dimas Ramalho e Roberto Massafera.
Barbieri, bastante articulado nos círculos do poder e com trânsito fácil nas capitais, chega à Prefeitura de Araraquara. Edinho se elege deputado estadual, Dilma vence às eleições e sucede a Lula, Edinho chega a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Com o impeachment de Dilma, Michel Temer chega à presidência e Araraquara segue no poder, agora, e de novo, devido a influência de Marcelo Barbieri.
Edinho volta à Araraquara, vence às eleições e reassume a Prefeitura para mais dois mandatos.
Araraquara elege duas deputadas: Márcia Lia e Thainara Faria.
Surge Bolsonaro, e por aqui uma nova liderança começa a emergir: o médico Dr. Lapena.
O PT se reorganiza, Lula vence Bolsonaro em uma eleição bastante apertada, e Edinho volta a ditar as cartas em Brasília.
Em São Paulo, porém, Tarcísio vence o PT e ganha o governo do Estado. Pouco depois, o Dr. Lapena faz o mesmo e assume os destinos da Prefeitura de Araraquara. Edinho, por sua vez, assume a presidência nacional do PT e caberá a ele organizar a campanha para a reeleição de Lula.
Os próximos capítulos prometem, mas não devem mudar muito o cenário de Araraquara: 2026 está aí. Se ganhar o PT, Edinho continuará com forte poder em Brasília. Se der a oposição, especialmente se o candidato for o governador Tarcísio (Bolsonaro está inelegível), o prefeito
Dr. Lapena é quem dará as cartas.