sábado, 23, novembro, 2024

A dignidade na enxurrada

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Peterson Ruan

“Em duas horas, choveu 132 milímetros, o equivalente a 60% do esperado para todo o mês.” Vemos notícias, como essa, todos os anos. Não é “surpresa”. Mas o poder público age da mesma maneira que no século passado, sem levar em conta as mudanças climáticas, a interferência humana no desmatamento e nas construções irregulares que levam para catástrofes pré-anunciadas. O planeta pede socorro.

A dignidade humana é fundamento da República. Isso significa que o Estado brasileiro deve se construir a partir da pessoa humana e para servi-la. Portanto, é preciso proteger, zelar e propor os meios necessários para o bem-estar das pessoas, dos indivíduos, independentemente de sua condição.

Nas aulas do Professor Dr. Raul de Mello Franco Júnior, ilustre Promotor de Justiça, aprendi, no Direito Constitucional, que o princípio da dignidade humana é um dos mais importantes do nosso ordenamento jurídico, pois encontra-se no artigo 1º da Constituição Federal, em seu inciso III, a saber:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.”

Assim, a dignidade do ser humano, apesar do conceito amplo, abrangente, se apresenta como pilar do Estado Democrático de Direito. É o direito à vida, ao bem estar social.

Ocorre que, infelizmente, os governantes, em todas as esferas, não têm se debruçado para fazer valer essa garantia.

Todas as mídias e canais de comunicação noticiaram a perda de vidas por causa das fortes chuvas, como vimos, foram 18 mortos em Franco da Rocha (SP) no início de fevereiro e, 94 mortos até o momento em Petrópolis (RJ). Para os próximos dias, a previsão é de volumes altos de precipitação. Mesmo assim, nenhuma ação efetiva foi tomada para evitar tal tragédia, seja aqui em São Paulo, seja no Rio de Janeiro, seja em

Minas Gerais, seja na Bahia, ou nos demais estados do Brasil.

Uma tragédia anunciada pelas defesas civis e especialistas!

Para essas verdadeiras catástrofes com a morte de pessoas e imensas perdas materiais, já não cola mais aquela desculpa do “não esperávamos uma chuva nesse volume” ou “choveu mais que o esperado”. Atualmente, são claras as ferramentas para auxiliar os governantes na prevenção e no planejamento de ações para, se não evitar por completo, pelo menos minorar os efeitos colaterais dos fenômenos naturais.

Tanto isso é verdade que, aqui em São Paulo, no mês de dezembro de 2020, houve a entrega do “Mapeamento de Riscos de Movimentos de Massa e Inundações” de 38 municípios da Região Metropolitana do Estado, cujos estudos fazem parte de um programa do Departamento de Estradas de Rodagem (DER/SP).

Com investimento de R$ 2,9 milhões, tal trabalho foi financiado pelo Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), sob a responsabilidade do Instituto Geológico (IG), com a finalidade de identificar os riscos nas rodovias e nos locais cuja ocupação pode desencadear situações de vulnerabilidade e de riscos para pessoas e bens, como inundações, erosão, escorregamentos, movimentos de massa,

transbordamento de rios, dentre outras consequências graves decorrentes do

desenvolvimento urbano desordenado, ocupações irregulares e as chuvas intensas e tempestades.

Tal estudo de 2020, parece não ter valia, nem para o estado de São Paulo, nem para os municípios mapeados que, inclusive, participaram da elaboração desse material.

O jornal Valor Econômico, assim como diversos periódicos, publicou que “a gestão do governador João Doria (PSDB) gastou menos da metade do orçamento previsto para obras de infraestrutura antienchente em todo o Estado de São Paulo em 2021. Dos R$ 996,9 milhões aprovados pelos deputados estaduais, foram gastos R$ 453,2 milhões, ou seja, 45% do total.”

Por que ações preventivas e de fiscalização não foram realizadas antes? Por que as Prefeituras não ordenaram a desocupação imediata desses locais, se já conheciam o alto risco à vida das famílias?

Os Prefeitos, quando instados a se manifestar, afirmam que tomaram todas as providências, mas não possuem dinheiro em caixa para arcar com as consequências das chuvas e tempestades. Todos afirmam que solicitaram ajuda aos governos federal e estadual, mas o repasse não ocorreu. Já o estado de São Paulo se defende afirmando ter dado o seu melhor, e se propõe a liberar R$ 15 milhões para as cidades afetadas.

Resta evidente que outra desculpa é a “falta de dinheiro”, a “falta de recursos”, mas os fatos mostram que essa desculpa também não cola!

Isso demonstra a grande dissonância entre a fala e a atuação dos governantes, em todos os níveis, e bem se vê que a dignidade da pessoa humana é princípio esquecido para muitos em cargos públicos.

Redação

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