sexta-feira, 22, novembro, 2024

Manhã de futuro e memória

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Por Ignácio de Loyola Brandão

Escrever este texto que pode ser visto como carta,

crônica, segmento de memória, é um afago que faço.

Primeiro é um bilhete a um amigo, o Edinho Silva. Ficarei

feliz se no dia17, pela manhã, ele conseguir passar cinco

minutos na Escola Pedro José Neto. Por que? Para que eu

agradeça por estes anos todos de amizade.

Vou conversar com um grupo que leu e estuda meu

romance “Não Verás País Nenhum”. Escrito em meados

dos anos 70, publicado em 1981, à princípio assustou

crítica e leitores pelo que narrou. Um Brasil sem árvores,

sem água, quente, o Amazonas um deserto, o sol matando,

doenças estranhas aparecendo. Quarenta anos mais tarde,

traduzido em dez línguas, ele é considerado um clássico,

uma distopia que se realizou. O futuro, que parecia

improvável, aconteceu. Ou está acontecendo.

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Poucos sabem que este livro me fez conhecer e

tornar amigo de Edinho. Havia ao lado da igreja Matriz, na

avenida Brasil, uma pequena livraria, a da Marina, ponto

de encontro de amigos, leitores, curiosos, professores. O

espaço era exíguo, mas repleto de livros que nos

interessavam, ali encontrávamos as respostas as nossas

angústias políticas, ideológicas, vivenciais. Ali encontrei

“Uma Tragédia Americana”, de Dreiser; O Vermelho e o

Negro”, de Stendhal; o “Livro Vermelho de Mao”, as

psicanalises de Karen Horney, ali estavam de Sartre e

Simone a Camus, e etc. Marina. Magra, sorridente o tempo

inteiro, ela mandava buscar o que não tinha na cidade..

Certo dia, passando por Araraquara fui lá bater ponto.

E eis que um jovem saiu de trás daquelas pilhas e me

estendeu um volume: pode me autografar? Era o “Não

Verás”. Autografei, falamos por momentos. Dali em diante,

sempre que passava pela cidade e, evidente, pela Marina,

o jovem vinha ouvir ou perguntar. Às vezes trazia uma

novidade recém chegada: o senhor já leu este? E me

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estendia um volume com poemas de Brecht, ou Wright

Mills, de Vance Packard (este me ensinou a ciência do

desperdício). Devo dizer que as outras livrarias que sempre

frequentei foram a Acadêmica, do Neil Passos, que amava

livros e a do Ipiranga, eterno batalhador. Livrarias sempre

foram fetiches, onde chego no mundo, vou direto. Várias

tornaram-se icônicas na história, foram assunto de filmes,

de romances.

Fiquei largo tempo longe da cidade e um dia, quando

voltei, vi que Marina tinha morrido e motos eram vendidas

no espaço dela. Também sofreu um processo judicial por

parte de um dos vigários da Matriz. E aquele garoto da

livraria era homem feito, mais do que isso, prefeito. E a

amizade com o Edinho se solidificou ao longo dos anos,

ele acreditou em mim, no meu sonho.

Há duas semanas estivemos juntos na Chácara

Sapucaia, quando a Academia Araraquarense de Letras

empossou, de uma vez, dez membros. E lançou um projeto

que me tocou, toca e sempre tocará. O Caminhos de

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Ignácio na cidade, idealizado pelo Fernando Passos e

levado à frente pela prefeitura, pela Câmara, pela

Secretaria de Cultura, pelo Weber Fonseca. pela Teresa

Telarolli e pelo André meu filho e seu parceiro Carioba.

Nestes quinze dias pensei, cheio de culpa, que não

agradeci o suficiente naquela manhã ao Edinho e ao

Passos. Foi uma cerimônia de posse singular, ao ar livre,

ao sol, cheia de luz, rodeados estávamos por árvores e

palmeiras que fazem parte da história da cidade e da

literatura brasileira. Só poderia ter sido assim, ao sol, e com

a Academia Brasileira de Letras presente. Dez

empossados – e eu – vamos lembrar para sempre dessa

manhã de festa.

Edinho, se puder, passe pelo Pedro José Neto no dia

17 de manhã. Pedro fundou nossa cidade. Ele foi

importante para mim, porque a primeira experiência de

fazer cinema que tive na vida foi nos anos 50, quando

Wallace Leal montou uma equipe e fez um média

metragem, misto de ficção e realidade, “Aurora de uma

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Cidade”. O que foi filmado desapareceu. Era sobre Pedro

José Neto. Jamais esqueço aquele período. Passei meses

pesquisando sobre o fundador ao lado de Wallace. A

manhã do dia 17 junta o Ignácio iniciante, deslumbrado

com tudo e o homem maduro, carreira encaminhada. Mas

ainda sinto as ansiedades e tensões a cada crônica, livro,

palestra, cada palestra, isso significa que o sonho está vivo

e corro atrás dele..

Então, eu tinha17 anos. Setenta anos me separam

daquele Ignácio Dia 17 de junho. 17 e 17. Junte Pedro

José Neto, cinema, literatura, Edinho.. E aqui, na escola,

está o futuro, que narro em meu romance “Não Verás País

Nenhum”. Futuro e passado. Mas tudo é presente.

Vejam como a vida funciona. Quem me trouxe para

este encontro foi a professora Angélica Trivelato, sobrinha

de Rosinha Gonçalves, que era Filha de Maria na Matriz

nos anos 40, e foi a primeira jovem/menina que me disse

sim. Devíamos ter oito anos e foi curtíssimo namoro, se é

que aquilo foi namoro. Adulta, ela se casou com um amigo

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de turma, o Osmar. Ambos já se foram. Angelica é

também sobrinha da Beza que foi quem me ensinou a

andar de bicicleta à sombra das árvores da rua Cinco. As

magias araraquarenses. Assim o Pedro José Neto será

uma parada a mais nos Caminhos de Loyola na Cidade.

Espero vocês, Edinho e Fernando, nem que seja para um

abraço.

Redação

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