Por Ignácio de Loyola Brandão
Escrever este texto que pode ser visto como carta,
crônica, segmento de memória, é um afago que faço.
Primeiro é um bilhete a um amigo, o Edinho Silva. Ficarei
feliz se no dia17, pela manhã, ele conseguir passar cinco
minutos na Escola Pedro José Neto. Por que? Para que eu
agradeça por estes anos todos de amizade.
Vou conversar com um grupo que leu e estuda meu
romance “Não Verás País Nenhum”. Escrito em meados
dos anos 70, publicado em 1981, à princípio assustou
crítica e leitores pelo que narrou. Um Brasil sem árvores,
sem água, quente, o Amazonas um deserto, o sol matando,
doenças estranhas aparecendo. Quarenta anos mais tarde,
traduzido em dez línguas, ele é considerado um clássico,
uma distopia que se realizou. O futuro, que parecia
improvável, aconteceu. Ou está acontecendo.
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Poucos sabem que este livro me fez conhecer e
tornar amigo de Edinho. Havia ao lado da igreja Matriz, na
avenida Brasil, uma pequena livraria, a da Marina, ponto
de encontro de amigos, leitores, curiosos, professores. O
espaço era exíguo, mas repleto de livros que nos
interessavam, ali encontrávamos as respostas as nossas
angústias políticas, ideológicas, vivenciais. Ali encontrei
“Uma Tragédia Americana”, de Dreiser; O Vermelho e o
Negro”, de Stendhal; o “Livro Vermelho de Mao”, as
psicanalises de Karen Horney, ali estavam de Sartre e
Simone a Camus, e etc. Marina. Magra, sorridente o tempo
inteiro, ela mandava buscar o que não tinha na cidade..
Certo dia, passando por Araraquara fui lá bater ponto.
E eis que um jovem saiu de trás daquelas pilhas e me
estendeu um volume: pode me autografar? Era o “Não
Verás”. Autografei, falamos por momentos. Dali em diante,
sempre que passava pela cidade e, evidente, pela Marina,
o jovem vinha ouvir ou perguntar. Às vezes trazia uma
novidade recém chegada: o senhor já leu este? E me
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estendia um volume com poemas de Brecht, ou Wright
Mills, de Vance Packard (este me ensinou a ciência do
desperdício). Devo dizer que as outras livrarias que sempre
frequentei foram a Acadêmica, do Neil Passos, que amava
livros e a do Ipiranga, eterno batalhador. Livrarias sempre
foram fetiches, onde chego no mundo, vou direto. Várias
tornaram-se icônicas na história, foram assunto de filmes,
de romances.
Fiquei largo tempo longe da cidade e um dia, quando
voltei, vi que Marina tinha morrido e motos eram vendidas
no espaço dela. Também sofreu um processo judicial por
parte de um dos vigários da Matriz. E aquele garoto da
livraria era homem feito, mais do que isso, prefeito. E a
amizade com o Edinho se solidificou ao longo dos anos,
ele acreditou em mim, no meu sonho.
Há duas semanas estivemos juntos na Chácara
Sapucaia, quando a Academia Araraquarense de Letras
empossou, de uma vez, dez membros. E lançou um projeto
que me tocou, toca e sempre tocará. O Caminhos de
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Ignácio na cidade, idealizado pelo Fernando Passos e
levado à frente pela prefeitura, pela Câmara, pela
Secretaria de Cultura, pelo Weber Fonseca. pela Teresa
Telarolli e pelo André meu filho e seu parceiro Carioba.
Nestes quinze dias pensei, cheio de culpa, que não
agradeci o suficiente naquela manhã ao Edinho e ao
Passos. Foi uma cerimônia de posse singular, ao ar livre,
ao sol, cheia de luz, rodeados estávamos por árvores e
palmeiras que fazem parte da história da cidade e da
literatura brasileira. Só poderia ter sido assim, ao sol, e com
a Academia Brasileira de Letras presente. Dez
empossados – e eu – vamos lembrar para sempre dessa
manhã de festa.
Edinho, se puder, passe pelo Pedro José Neto no dia
17 de manhã. Pedro fundou nossa cidade. Ele foi
importante para mim, porque a primeira experiência de
fazer cinema que tive na vida foi nos anos 50, quando
Wallace Leal montou uma equipe e fez um média
metragem, misto de ficção e realidade, “Aurora de uma
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Cidade”. O que foi filmado desapareceu. Era sobre Pedro
José Neto. Jamais esqueço aquele período. Passei meses
pesquisando sobre o fundador ao lado de Wallace. A
manhã do dia 17 junta o Ignácio iniciante, deslumbrado
com tudo e o homem maduro, carreira encaminhada. Mas
ainda sinto as ansiedades e tensões a cada crônica, livro,
palestra, cada palestra, isso significa que o sonho está vivo
e corro atrás dele..
Então, eu tinha17 anos. Setenta anos me separam
daquele Ignácio Dia 17 de junho. 17 e 17. Junte Pedro
José Neto, cinema, literatura, Edinho.. E aqui, na escola,
está o futuro, que narro em meu romance “Não Verás País
Nenhum”. Futuro e passado. Mas tudo é presente.
Vejam como a vida funciona. Quem me trouxe para
este encontro foi a professora Angélica Trivelato, sobrinha
de Rosinha Gonçalves, que era Filha de Maria na Matriz
nos anos 40, e foi a primeira jovem/menina que me disse
sim. Devíamos ter oito anos e foi curtíssimo namoro, se é
que aquilo foi namoro. Adulta, ela se casou com um amigo
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de turma, o Osmar. Ambos já se foram. Angelica é
também sobrinha da Beza que foi quem me ensinou a
andar de bicicleta à sombra das árvores da rua Cinco. As
magias araraquarenses. Assim o Pedro José Neto será
uma parada a mais nos Caminhos de Loyola na Cidade.
Espero vocês, Edinho e Fernando, nem que seja para um
abraço.