A provocação ao Executivo municipal para que realize um constante monitoramento da emissão de gases poluentes no Distrito da Vila Xavier, mais precisamente nas residências próximas à sede da empresa de laticínios Piracanjuba, na Vila Santa Maria, foi um dos encaminhamentos resultantes da audiência pública “Os impactos na qualidade de vida provocados pela emissão de odores no ar”.
O debate, proposto pela vereadora Fabi Virgílio (PT), por meio do Requerimento nº 395/2023, ocorreu no Plenário da Câmara, na noite de quinta-feira (29), reunindo moradores do Distrito da Vila Xavier, o vereador Rafael de Angeli (PSDB), autoridades do Executivo municipal e a deputada estadual Márcia Lia (PT), com transmissão ao vivo pela TV Câmara no canal 17 da NET/Claro e pelas redes sociais Facebook e YouTube da Câmara de Araraquara.
Apesar de terem sido convidadas para o evento, a empresa Piracanjuba e a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) não enviaram representantes para participar da audiência. O Ministério Público do Meio Ambiente justificou a ausência, mas reinstalou um inquérito para acompanhar a demanda da população atingida pela poluição atmosférica.
“Essa audiência pública é para dar voz à comunidade e tem a função de dar oportunidade às pessoas que vieram à Casa de Leis para se manifestaram. Recebemos diversas reclamações no gabinete sobre o mau cheiro que atinge casas e comércios em um raio de até três quilômetros, inclusive com relatos de pessoas que tiveram ânsia, enjoo, dores de cabeça, ressecamento e sangramento nasal, irritação nos olhos e fadiga por conta da inalação do odor fétido na região da Vila Xavier”, justificou Fabi.
Pesquisa
No início da discussão, a vereadora apresentou dados mapeados por seu gabinete na região afetada, numa amostragem de 53 pessoas, com intuito de perceber pontos em comum. A pesquisa, realizada in loco e online, detectou que 83% dos entrevistados responderam sentir o mau cheiro e que 89,4% disseram ficar incomodados em suas casas. O odor fétido foi associado a esgoto para 34% dos ouvidos, enquanto 22,6% relacionaram o cheiro repulsivo a ovo podre. Quanto à frequência, 30,1% responderam que sentem o inconveniente todos os dias, sendo que 79,2% relataram que o mau odor foi sentido depois da mudança da fábrica Piracanjuba para Araraquara, em 2019.
Desabafo
Moradora há 38 anos da Rua da Bahia, onde também está localizada a fábrica da Piracanjuba, a agente administrativa, Sabrina Maria da Silva, falou que tem perdido noites de sono por causa do mau odor. “Tenho duas crianças de 6 e 4 anos e uma delas é alérgica. No ano passado foi o auge do cheiro fétido de esgoto. Numa noite ficou insuportável, a ponto de ninguém conseguir dormir na minha casa. Fiquei acompanhando o drama da minha filha, que é acometida de bronquiolite e, neste dia, tive que levá-la de madrugada para o pronto atendimento, porque ela estava com o nível de saturação respiratória muito baixa e o pior: foi diagnosticada com asma. A minha filha faz uso de corticoide diariamente, o que gera um gasto de R$ 800 reais. Sempre que o mal cheiro piora, tenho que correr com ela para a emergência”, desabafou Sabrina.
Para o professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, doutor Marcelo Zaiat, os relatos dos moradores sobre os odores podem estar relacionados ao gás sulfídrico (gás de enxofre) que tem densidade maior que a do ar e é agressivo, podendo provocar toxidade em altas concentrações.
“Apesar de a empresa Piracanjuba utilizar o sistema aeróbio, que geralmente não gera odor, há a possibilidade do mau cheiro ser ocasionado no processo de bombeamento e caixa de tratamento do sistema de tratamento”, afirmou o professor que falou na audiência por vídeo.
Responsabilidade
O secretário municipal de Meio Ambiente, José Carlos Porsani, informou que está acompanhando o problema e que houve visita da pasta à fabrica da Piracanjuba, na ocasião em que várias reclamações de moradores sobre o mau cheiro foram feitas no ano passado. Ele disse também que a responsabilidade sobre a emissão de odores na atmosfera é da Cetesb. “Fomos ao local e foi diagnosticado que o mau cheiro era referente ao esgoto da região. A responsabilidade foi atribuída ao Departamento Autônomo de Água e Esgotos (Daae), que resolveu o problema. Também fomos ao Ministério Público e fomos informados que a Piracanjuba já havia sido autuada por duas vezes”.
Laudo Cetesb
De acordo com a parlamentar, em resposta aos questionamentos feitos por ela, por meio do Requerimento nº 436/2023 ao Executivo, sobre o monitoramento de gases tóxicos emitidos pela Estação de Tratamento de Efluentes da Piracanjuba, a Cetesb enviou documento para a Câmara, pontuando que a partir de vistoria técnica realizada pela companhia durante todo o mês de março deste ano, solicitou à Piracanjuba as seguintes providências: revisar o sistema de isolamento para a coleta de gases gerados na unidade de flotação e de todo o sistema de exaustão de gases instalado no sistema de tratamento sólido, que é o lodo.
Na resposta à vereadora, a Cetesb também recomendou à Piracanjuba vedar todas as aberturas existentes no sistema de tratamento de sólidos para evitar o escape de gases de odor desagradável com o potencial de atingir a vizinhança a depender das condições atmosféricas locais. A partir do diagnóstico da Cetesb, deverá ser instalado medidor de vazão na entrada da Estação de Tratamento de Efluentes líquidos industriais. “Isso não é uma guerra à fábrica Piracanjuba nem ao poder econômico. Nós queremos muito que a empresa prospere, gerando muitos empregos para Araraquara, mas isso não pode ser a qualquer custo porque diz respeito a direitos humanos e à saúde pública, para que o bem-estar das pessoas seja respeitado na integralidade”, concluiu Fabi.