De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-2019), o Brasil é o país com mais descendentes africanos fora da África, totalizando o contingente de 56,02% da população preta ou parda. Mas não é exclusivamente na cor da pele que os traços africanos surgem na sociedade brasileira, estes também contribuíram com diversos aspectos da cultura do país. Comidas, músicas e religiões são outros exemplos da herança africana no Brasil. Neste último caso, em específico, a fé brasileira teve grande influência das doutrinas afro. Além do Candomblé e da Umbanda, as duas religiões afro-brasileiras mais conhecidas, existem ainda outras que possuem um viés afro em suas características, como a Jurema, também conhecida como Catimbó, e o Xangô. Apesar de serem muito semelhantes, essas religiões possuem história de origens e características bem peculiares. E são exatamente tais diferenciações que fazem dessas expressões culturais movimentos únicos, que perduram no tempo e carregam consigo a historicidade do povo negro.
“De uma perspectiva histórica, todas essas formas de religiosidade foram vistas pelos colonizadores europeus e cristãos como perigosas expressões de idolatria e pecado, a serem extirpadas pela conversão ao catolicismo, para garantir aos escravos a salvação de sua alma. Ainda hoje persiste essa visão que associa expressões religiosas afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, a ritos demoníacos de feitiçaria”, entende a vereadora Filipa Brunelli (PT) no Projeto de Lei nº 139/2021, aprovado durante a 29ª Sessão Ordinária da Câmara, que declara os cultos e liturgias das religiões de matriz africana (Umbanda, Batuque, Babaçuê, Candomblé Jeje, Candomblé Ketu, Tambor de Mina, Xangô, Cabula, Candomblé Bantu ou Angola, Candomblé de Caboclo, Catimbó, Pajelança, Toré, Xambá, Culto aos Egunguns, Encantaria, Jurema de Terreiro, Jurema Sagrada, Quimbanda, Quiumbanda, Omolkô, Terecô, entre outras) como patrimônios culturais imateriais do município de Araraquara.
“Torna-se imprescindível a transformação em patrimônio cultural imaterial da cidade de Araraquara de todas as religiões de matriz africana, de modo a proporcionar maior exposição e importância às mesmas, gerando maior conhecimento e consequentemente maior respeito pela população”, argumenta a parlamentar, lembrando que a proposta não implica em aumento ou redução de despesas públicas, por se revestir de caráter essencialmente normativo, sem impacto orçamentário financeiro nas metas fiscais da Prefeitura, “sendo essencial para a preservação e propagação das religiões de matriz africana perante a cidade”.
Patrimônio imaterial
A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, ampliou a noção de patrimônio cultural ao reconhecer a existência de bens culturais de natureza material e imaterial. Nesses artigos da Constituição, reconhece-se a inclusão, no patrimônio a ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, dos bens culturais que sejam referências dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
O patrimônio imaterial é transmitido de geração a geração, constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) define como patrimônio imaterial “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”. Esta definição está de acordo com a Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo Brasil em março de 2006.
Para atender às determinações legais e criar instrumentos adequados ao reconhecimento e à preservação desses bens imateriais, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) coordenou os estudos que resultaram na edição do Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) e consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR).
Em 2004, uma política de salvaguarda mais estruturada e sistemática começou a ser implementada pelo Iphan a partir da criação do Departamento do Patrimônio Imaterial (DPI). Em 2010, foi instituído pelo Decreto nº 7.387, de 9 de dezembro de 2010, o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), utilizado para reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, ação e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.