Ariane Padovani
Uma parceria científica e tecnológica entre o Brasil e a Argentina está desenvolvendo em Araraquara, na empresa Alfa Ferramentaria, o telescópio LLAMA (Large Latim American Millimeter Array), que será capaz de expandir as observações do Universo nos comprimentos de onda milimétricos e sub-milimétricos. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pela Secretaria de Articulacíon Científico Tecnológica do Ministerio de Ciencia, Tecnologia e Innovación Productiva (MINCyT) da Argentina, o radiotelescópio será instalado em Puna de Atacama, no noroeste da Argentina, localizada a uma altura de 4.790 metros acima do nível do mar.
Tecnologia única
De acordo com Carlos Eduardo Fermino, engenheiro na eFe Tecnologias Industriais e subcontratado pela USP (Universidade de São Paulo) para gerenciar o projeto no Brasil, o telescópio, que começou a ser desenvolvido no segundo semestre de 2017, é uma tecnológica única, que pegará altas frequências de estrelas. “É a primeira vez que esse tipo de telescópio está sendo feito no mundo. Esse instrumento aqui é único, não existe em outro lugar. É uma experiência, um protótipo. Foi pensado para funcionar, mas a gente ainda não sabe o resultado final”, contou o engenheiro.
Emiliano Rasztocky, engenheiro mecânico que representa a Argentina no projeto, vai levar o radiotelescópio, junto com Carlos Eduardo e mais dois funcionários da Alfa, para o seu país e tem a responsabilidade de instalar o equipamento. “Existem vários telescópios similares, mas a diferença é que o sinal que chega refletido da antena entra na cabine onde se coloca os receptores. Permite processar no futuro, simultaneamente, com uma mesma observação, apontar duas frequências ao mesmo tempo. Por isso é único até agora e um pouco mais complexo”, explicou Rasztocky.
Carlos Eduardo Fermino esclareceu que o radiotelescópio não ficará no Brasil por uma questão geológica. “No Brasil tem muita chuva, não tem picos muito altos. Na Argentina tem montanha e é seco”. Ainda segundo o engenheiro, o Brasil investe nesse tipo de parceria em troca de enviar estudantes para a Argentina para pesquisas e desenvolvimento de tecnologia. “Provavelmente no futuro haverá estudantes brasileiros fazendo pesquisa de astronomia na Argentina. Vários países compram uma cota do telescópio investindo dinheiro e aí durante a vida do instrumento eles têm aquela porcentagem de utilização para fazer pesquisas. Mas o Brasil e a Argentina têm uma participação maior”, expôs Fermino.
Sobre o tempo de observação, Emiliano Rasztocky reforça que a ideia é que estudantes possam utilizar o telescópio em trabalhos, assim como grupos de engenharia e grupos científicos para que sigam criando novas tecnologias para montar o mesmo radiotelescópio. “Isso é só o começo. Com o tempo e novos estudos, a ideia é passar a utilizar outros tipos de câmeras, outros sistemas, para ir ampliando a capacidade do rádiotelescópio. A vida útil estimada desse projeto é de 30 anos operativo, possivelmente mais também”, relatou o engenheiro argentino.
Buraco Negro
Fermino informou que esse tipo de radiotelescópio é similar ao que capturou a imagem do buraco negro divulgada por uma equipe de cientistas do ‘Event Horizon Telescope Collaboration’, em abril desse ano. “Eles pegaram vários telescópios no mundo para ter uma angulação maior, apontaram para o mesmo ponto, fizeram uma análise de todos os dados e compilaram isso em uma foto só. Imagine que a Terra é um grande olho, cada um em um cantinho olhando para o mesmo lugar. Aí pegaram esse monte de dados e criaram aquela imagem do buraco negro. A imagem é computadorizada, mas é para ter uma ideia de como seria. O Albert Einstein criou a fórmula, mas não conseguiu comprovar”, revelou.
Fabricado na cidade
O radiotelescópio, que será quase que integralmente em alumínio, está sendo produzido pela empresa Alfa Ferramentaria, localizada em Araraquara. Fermino chegou a consultar outras sete empresas da região e da capital do Estado para fabricar as peças, mas apenas a Alfa acreditou no projeto.
Ricardo Fernando Luis, líder de produção da Alfa, contou que passou 25 dias analisando o projeto, que era bastante extenso. “O Carlos Eduardo trouxe toda a parte mecânica do projeto para fazer orçamento, a gente analisou item por item, levantamos os custos, prazo e começamos a desenvolver. Como eu tive que analisar todos os itens, tenho conhecimento de 100% das peças e sei aonde aplicá-las”, narrou o funcionário.
Prazo de entrega
Emiliano Rasztocky declarou que a parte do Brasil está praticamente pronta. “Na Argentina vamos fazer o que chamamos de fundação, que é a plataforma de cimento onde será colocada a antena em cima. Esse processo terá a duração de aproximadamente seis meses, ou seja, será terminado perto do início do ano que vem. Aí teremos de esperar passar o inverno, pois a 5 mil metros de altitude é impossível de se trabalhar. Em agosto, com a fundação concluída, virão pessoas da Alemanha, que contarão com a nossa colaboração para instalar a antena, em um trabalho que levará aproximadamente de quatro a seis meses. Quando a empresa que fabricou a antena terminar de instalá-la, começará o trabalho nosso e de outros engenheiros de integrar as nossas equipes, assim como outras equipes, em um processo que durará mais seis meses ou até um ano de testes, até que tenham condições de iniciarem a parte científica”, minuciou o engenheiro.
Conquista pessoal
Para o engenheiro Carlos Eduardo Fermino, é um privilégio participar de um projeto científico único no mundo, que vai trazer conhecimento para a sociedade. “Em Araraquara tem poucas pessoas envolvidas, então eu posso dizer que é uma honra participar e trazer tecnologia. Além do mais, a equipe, tanto na Argentina quanto no Brasil, os professores, quem está envolvido, são pessoas muito inteligentes. Mesmo com a equipe reduzida, por conta de limite de verba do Estado, a gente está conseguindo fazer um trabalho muito bom, muito por conta da Alfa. Eles pensaram na tecnologia que iriam acessar, pensaram além do dinheiro e estamos aprendendo todos juntos”, confessou Fermino.
Emiliano destacou que o projeto o possibilita se relacionar com cientistas e engenheiros de outros países, de outras instituições muito importantes, que escreveram livros que já leu anteriormente. “Isso é uma coisa muito surpreendente e eu não esperava. É também surpreendente saber que é um caso único, que nos motiva a estar sempre fazendo o nosso melhor e entrando de cabeça. E são poucas pessoas que estão por trás desse projeto e não é um produto comparável, não é um motor que se pode comprar. É um projeto único e vamos aprendendo”, discursou Rasztocky.
O engenheiro argentino também mencionou as pessoas da Alfa, que fizeram tudo se tornar realidade. “É um projeto super complexo e eles ficaram ao nosso lado o tempo todo, cuidando para ajudar em tudo o que precisamos. Isso não é pouco. Eu tenho muita experiência em indústrias e empresas metalúrgicas e, por ser um projeto único, tenho muita responsabilidade de poder participar, e aqui percebo que todos sentem o mesmo. Isso é muito importante. Eles são proprietários de uma parte do projeto”, finalizou Emiliano.