Com o objetivo de aprofundar os debates e o acesso a informações científicas sobre os resultados do uso da Cannabis, sobre técnicas qualificadas de plantio, extração de princípios ativos e produção de fármacos, além de fornecer subsídios para as mudanças necessárias nas legislações nacionais em prol da regulamentação da Cannabis medicinal, a Câmara Municipal de Araraquara realizou a Audiência Pública “Cannabis medicinal: derrubando mitos”. Convocada pelos vereadores Fabi Virgílio (PT) e Marcos Garrido (Patriota) (Requerimento nº 924/2021), a discussão aconteceu na noite de segunda-feira (25).
Para Fabi, a audiência era “necessária e urgente, pois a Cannabis é uma planta curativa e propulsora de qualidade de vida. Essa noite é para que a gente ganhe conhecimento e desmistifique vários preconceitos ainda arraigados na população”.
Garrido destacou que “o uso já existe no Brasil. O PL 399 normatiza a questão, a fim de que a produção do medicamento e outros materiais aconteçam no país, além de dar acessibilidade a esse importante medicamento, facilitando e barateando para os que necessitam fazer o uso dele”.
Participando da audiência, a vereadora Filipa Brunelli (PT) afirmou que o assunto já deveria estar sendo debatido há muito tempo na esfera pública, mas “infelizmente, ainda existe um pré-conceito. Não tem como a gente falar do uso da Cannabis medicinal sem tocarmos no assunto que é a criminalização das drogas, que enfrentamos na sociedade brasileira”.
A deputada estadual Márcia Lia (PT) também enfatizou a importância do debate. “Temos vários exemplos do uso para o tratamento de diversas doenças, com resultados positivos, melhorando a condição de vida das pessoas.”
Os efeitos positivos também foram pontuados pelo deputado federal Paulo Teixeira (PT). “O preconceito não permite o acesso a medicamentos à base da Cannabis e é isso que precisa ser desenvolvido nos debates.”
Médica e consultora técnica sobre uso medicinal da Cannabis, Carolina Nocetti, falou sobre o histórico e apresentou diversos dados. “São mais de 25 mil produtos disponíveis. O potencial terapêutico é visualizado em diversas condições, com impacto a curto prazo.”
O presidente do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas (Comad), Matheus Nunes, falou dos desafios da atual política antidrogas e do Projeto de Lei nº 399/2015, que altera a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que regulamenta o uso medicinal de Cannabis, tendo como objetivo o plantio da Cannabis para fins medicinais e a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta. “A política nacional antidrogas está assentada sobre o proibicionismo, há uma visão muito moralista e não científica.”
O membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma), advogado e ativista Erik Torquato entende que a Cannabis “não poderia ser proibida no Brasil em se tratando de uso medicinal. Ela tem uma finalidade lícita”.
Para a educadora canábica na Inflore, Luna Vargas, “é importante o tema ser levado para todas as esferas públicas, pois estamos falando de saúde pública. Precisamos derrubar os mitos. A legalização é um processo, ela vai acontecer mais cedo ou mais tarde porque vai ocorrer no mundo inteiro. Até porque não dá para contestar o que essa planta pode fazer para a gente. Ela é só o primeiro passo. A educação médica e na indústria é chave, é central”.
O presidente da Associação Flor da Vida, Enor Machado de Morais, explicou que hoje a associação atende 1.500 pacientes e metade deles não pagam. “A ideia é expandir ainda mais esses atendimentos. Hoje contamos com 25 colaboradores em Franca. Convidamos todos para conhecer nosso trabalho.”
A representante da Secretaria Municipal da Saúde, Thalita Martins, falou sobre a importância do SUS e da Atenção Primária, primeiro nível de atenção à saúde, que abrange prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e redução de danos para manutenção da saúde. “Nunca devemos deixar de pensar e buscar o adequado recurso terapêutico, de acordo com o grau de necessidade do usuário. É evidente a importância da Cannabis com a finalidade terapêutica. A Anvisa já estabeleceu as regras para prescrição médica e importação dos medicamentos. Há estudos para o tratamento de diversas patologias, uma ampla diversidade de doenças que podem ser contempladas.”
O médico do Instituto de Ensino e Pesquisa Remederi (Riep) Wellington Briques lembrou que são mais de 100 canabinóides diferentes dentro da planta. “São muitas espécies com diferentes composições para os mais diferentes tipos de tratamentos. Não houve nenhuma morte atribuída ao uso da Cannabis, uma planta muito segura de ser utilizada. Existem vários trabalhos e publicações sobre tratamento de dores crônicas. Hoje temos evidências.”
O responsável pela implantação do Centro Especializado em Reabilitação (CER) em Araraquara, Luiz Garlippe, falou que muitos pacientes têm no perfil epilepsias e poderiam ser beneficiados. “Temos estudos robustos e está chegando muito perto do SUS.”
O fisioterapeuta Maicon Silva, mentor do método OfficePilates e paciente tratado com Cannabis medicinal desde 2014, relatou a importância da Cannabis em sua vida. “Mudou totalmente a minha vida, o óleo me ajudou muito. Essa luta não é só minha.”
Graziela Torres Blanch, mãe de uma pessoa em tratamento com óleo de Cannabis, deu seu depoimento. “É importante lutarmos pelo direito ao acesso, inclusive se quiser plantar para fazer o óleo para o meu filho. Ele teve melhoras significativas no quadro de hiperatividade, de frustração frente a uma negativa. Não buscamos cura, ele é autista, o que buscamos é qualidade de vida. O que os pacientes precisam é de possibilidades. É um direito que o paciente tem na busca pelo medicamento.”
Como encaminhamento, Fabi sugeriu a criação de uma Comissão Especial de Estudos (CEE) sobre o uso da Cannabis medicinal.
A audiência foi transmitida ao vivo pela TV Câmara no canal 17 da NET, Facebook e YouTube.
Cannabis medicinal
O canabidiol é um dos princípios ativos da Cannabis sativa, nome científico da maconha. Compõe até 40% dos extratos da planta e pode ser usado como medicamento para diversas doenças, que variam de epilepsia severa a fibromialgia.
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), até 13 milhões de brasileiros portadores de doenças crônicas, como Mal de Parkinson, Câncer, Epilepsia Refratária, Autismo, Alzheimer e Dores Crônicas, entre outras patologias, têm a oferta de tratamentos terapêuticos reduzida. Isso significa que cerca de 5,9% da população brasileira precisa da Cannabis medicinal para seus tratamentos e, portanto, para terem qualidade de vida.
A regulamentação da Cannabis medicinal com produção nacional é considerada uma forma de democratizar o acesso para os pacientes, uma vez que, desde o fim de 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza a prescrição de medicação à base de canabidiol e milhares de pacientes já fazem uso dela, mas, com os insumos importados, o medicamento fica muito caro.
Em 2015, a Anvisa retirou o canabidiol da lista de substâncias ilegais, passando para a lista de substâncias controladas, exigindo receita e laudo médico para a importação. Mas o uso medicinal da substância ainda é visto com preconceito no Brasil, que proíbe o cultivo da planta. O debate aprofunda a temática, a fim de desconstruir equívocos e preconceitos enraizados na sociedade em relação ao tema.