Por José Augusto Chrispim
Na contramão do mundo, o Brasil teve um aumento de 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, em plena pandemia de covid-19, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Já a média global de emissões sofreu uma redução de 7%, por causa das paralisações de voos, indústrias e serviços ao longo do ano passado. A divulgação dos dados ocorre no momento em que é realizada a COP26, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que teve início no último dia 31 de outubro e segue até 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. O encontro, que é organizado pela ONU (Organização das Nações Unidas) anualmente desde 1995 e reúne alguns dos mais importantes líderes mundiais, vai ter impacto na vida de todo o planeta.
Na última segunda-feira (1), o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, apresentou as metas do Brasil na COP26, mais ousadas do que as cogitadas inicialmente. Segundo o ministro, o Brasil deve reduzir 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e neutralizar as emissões de carbono até 2050. Resta saber se as metas serão cumpridas.
Também durante a COP26, um grupo formado pelo Reino Unido, Noruega, Alemanha, EUA, Países Baixos e 17 doadores privados norte-americanos se comprometeu a apoiar os povos indígenas com 1,7 bilhão de dólares (R$ 9,66 bilhões de reais) entre agora e 2025, para viabilizar seu papel como protetores do território e aliados na luta contra a mudança climática.
Dada a importância do assunto e a urgência de soluções para a redução da emissão dos gases poluentes no mundo, a reportagem do O Imparcial falou com o especialista no assunto, Arnaldo Alves Cardoso que é professor titular pelo Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Arnaldo atua na pesquisa na área de Química, com ênfase em Química Analítica e Química Ambiental, sendo de seu interesse de pesquisa os seguintes temas: Química Atmosférica Ambiental: estudos sobre modelos de emissões (antrópicas e por queima de biomassa), transportes, transformações e deposições de gases traços e material particulado presente na atmosfera. Na área de Química Analítica atua no desenvolvimento de métodos analíticos para determinação de: gases e vapores presentes na atmosfera de regiões poluídas; contaminantes de combustível e contaminantes de materiais industrializados. Atua também no ensino de química com especial ênfase a química ambiental. Atualmente é coordenador do Programa de Pós graduação em Química do Instituto de Química de Araraquara Unesp.
Entre outros assuntos, o professor falou à reportagem sobre o efeito dos gases tóxicos localmente e ressaltou que, entre os meses de agosto a final de setembro, a poluição de ozônio na cidade de Araraquara tem sido similar à da cidade de São Paulo. E particularmente neste ano, em alguns dias de setembro, os índices de poluição por ozônio foram maiores que os de São Paulo.
O especialista lembra que o aumento das emissões dos gases estufa no Brasil é resultado do aumento da queima da floresta amazônica, que só diminuirá quando essas ações destrutivas forem coibidas.
Veja a entrevista na íntegra:
O Imparcial: Quais são as principais fontes de poluentes do ar em Araraquara?
Prof. Arnaldo: “Primeiro lugar é importante distinguir que os poluentes atmosféricos se dividem em dois tipos, um que afeta somente a saúde do planeta de forma global e outros que afetam principalmente a cidade, o seu entorno e seus habitantes. No primeiro caso está o gás dióxido de carbono que não é toxico para os seres vivos, mas na atmosfera ele possui a propriedade de impedir a dispersão do calor, atuando de forma similar à um cobertor e é o principal causador do conhecido efeito estufa. A queima de combustível como a gasolina, diesel e a queima de matas e florestas são responsáveis pela emissão do gás dióxido de carbono para a atmosfera e que resulta nas mudanças globais. No segundo grupo, estão os gases muito tóxicos que afetam localmente a população e o ambiente. Na cidade a emissão de gases tóxicos é resultado do uso de combustíveis para o transporte e indústrias. Os principais são os óxidos de nitrogênio e enxofre. Outra classe de compostos são os compostos orgânicos voláteis. O cheiro do combustível que sentimos quando abastecemos o carro ou o odor de laranja são os mais comuns exemplos dos compostos orgânicos voláteis. Uma pequena fração do combustível não queima totalmente e é emitido pelo cano de escapamento na forma de composto orgânico volátil. Não é apenas a cidade que polui o ar, o uso de fertilizantes na agricultura promove a emissão de gás amônia. E o vento é responsável por levantar muita poeira quando o solo está seco. E a queimada de vegetação de forma intencional ou não emite todos os gases mencionados e ainda pequenas partículas. Todos estes materiais na atmosfera podem afetar a vida da população. É fundamental que as pessoas entendam que a saúde do planeta está correndo sérios riscos e que todos que habitam o planeta estão sendo afetados. Os governos estão se mobilizando e é o objetivo do COP 26 que é patrocinado pela ONU diminuir a emissão de gases que afetam a saúde do planeta. Mas também é de máxima relevância que cuidemos da saúde da população local afetada pela poluição de gases e partículas toxicas. A poluição local é um problema nosso e precisamos discutir localmente. Infelizmente pouco ou nada se fala sobre esta questão”.
O Imparcial: O professor estuda o ozônio, um poluente tóxico. Como se forma o ozônio na atmosfera e como ele afeta a nossa saúde?
Prof. Arnaldo: “Como o velho dizer: está ruim, mas pode piorar. É o que acontece com os poluentes na atmosfera. A mistura dos poluentes na atmosfera pode resultar na formação de outro mais perigoso. A luz do sol é fundamental para isso. Todos conhecemos o poder da luz solar, apenas ficando poucas horas expostos ao sol o resultado são as queimaduras de pele. A luz solar transforma os compostos orgânicos voláteis com a ajuda dos óxidos de nitrogênio resultando no poluente ozônio. O gás ozônio é um dos principais poluentes que afetam a saúde das pessoas. Tanto que a CETESB monitora diariamente a concentração do gás na cidade. Entre os meses de agosto a final de setembro a poluição de ozônio na cidade de Araraquara tem sido similar à da cidade de São Paulo! E particularmente este ano, alguns dias de setembro ganhamos de São Paulo no quesito poluição por ozônio. No caso do ozônio, os principais efeitos ocorrem pelo contato com as vias aéreas e mucosas. Os efeitos da exposição aguda resultam em lesões celulares na região alveolar, morte das células pulmonares, decréscimo na atividade pulmonar, inflamação das vias respiratórias e aparecimento de sintomas como tosse, dor no peito. Já os efeitos crônicos, podem levar a maior incidência de asma”.
O Imparcial: O que pode ser feito para reduzir o ozônio na atmosfera em áreas urbanas?
Prof. Arnaldo: “Este é um problema mundial, em muitos lugares está aumentando o ozônio na baixa atmosfera. Não confundir com o ozônio que forma a camada protetora do planeta que deve estar a além dos 15 km de altitude, longe portanto do ar que respiramos. A grande contradição é que destruímos a camada de ozônio protetora e ao mesmo tempo geramos ozônio aqui onde ele não deveria estar. Uma receita geral é reduzir toda a queima de combustível, inclusive o álcool e queima de vegetação”.
O Imparcial: O ozônio é bastante utilizado em procedimentos de estética e saúde. Esses procedimentos podem trazer algum risco para o paciente?
Prof. Arnaldo: “Só existe um tipo de molécula de ozônio e o seu contato direto com o ser humano provoca danos à saúde. Além do ozônio respirado, o ozônio em contato com a pele provoca a perda dos antioxidantes presentes na pele. Esses efeitos podem ser intensificados em pessoas que vivem em países tropicais com alta incidência de raios solares, onde a radiação UV é significativa. Algumas propagandas dizem que o ozônio é um produto natural e assim não faz mal à saúde. Lembrando, o veneno da jararaca também é natural”.
O Imparcial: Quais os impactos que o desmatamento na Amazônia pode causar na agricultura da nossa região?
Prof. Arnaldo: “Árvores e águas sempre são vistas juntas. As árvores transpiram e o vapor logo vira nuvem e volta na forma de chuva. O continente sul americano possui uma área relativamente plana e baixa onde está o Brasil. O nosso país se estende do oceano atlântico até a cordilheira dos Andes que formam um paredão de grande altitude, como um muro alto. No verão, os ventos sopram do oceano em direção das cordilheiras e empurram as nuvens contra as montanhas. As nuvens são desviadas para o sul do país e despejam grandes quantidades de água pelo caminho, na forma de chuva forte. Aquelas chuvas torrenciais e que duram dias que atrapalham nossas férias de verão. Elas conseguem encher os rios e reservatórios para o resto do ano. Dependemos totalmente das nuvens formadas na Amazônia, não só a agricultura, mas o banho diário. Menos árvores na Amazônia significa menor o número de nuvens de chuva que aqui chegam. Aqui, menos água no solo faz com que ele seque mais rápido e perca a vegetação. Os ventos fortes da primavera levantam a camada superficial do solo seco, formando nuvens de poeira que invadem nossas casas. Precisamos de água para limpar tudo, mas ela está cada vez mais escassa …aí percebemos que a natureza está toda interligada”.
O Imparcial: É consenso científico que o aquecimento global é resultado de ações humanas. O aquecimento é global, mas iniciativas locais podem contribuir para mitigar a crise climática?
Prof. Arnaldo: “O aquecimento global da atmosfera é um consenso para a ciência e grande parte da população. Mas basta uma semana de dias frios para os céticos questionarem o aquecimento. A ciência não trabalha com poucos eventos, que isolados nada significam. Importante é que o número de dias frios está diminuindo e a média geral da temperatura medida em décadas está aumentando. Dias frios sempre existirão. O principal gás que modifica o balanço energético da atmosfera planeta é o dióxido de carbono. Ele é formado pela queima de combustíveis e vegetação. Quando puder ande ou vá de bicicleta e plante árvores. As árvores retiram o dióxido de carbono da atmosfera para transformá-lo em madeira do caule, folhas e raízes. Usar o álcool como combustível não aumenta o dióxido de carbono na atmosfera, já que para crescer a nova safra de cana, a planta retira o gás da atmosfera. Importante entender que o uso do álcool combustível não afeta a saúde do planeta. Mas não abuse, a queima do álcool combustível irá ajudar a formar os gases de nitrogênio e o ozônio afetando a saúde da população local”.
O Imparcial: Em 2020, emissões de gases do efeito estufa aumentaram quase 10% no Brasil, apesar da diminuição da poluição, por causa da pandemia. O senhor acredita que o país conseguirá atingir as metas de redução nas emissões de gases propostas na COP26?
Prof. Arnaldo: “O aumento das emissões dos gases estufa no Brasil é resultado do aumento da queima da floresta amazônica. Qualquer pessoa pode observar que isto está acontecendo. Existem dezenas de satélites que possuem sensores de focos de queimada apontadas para o planeta. Quando eles passam sobre a Amazônia eles registram os focos de queimada. Estes dados de queimada podem ser acompanhados por qualquer pessoa que tenha acesso a internet. Para atingir as metas de menor emissão, basta coibir a queima da floresta. Ações devem ser apoiadas no uso de satélites e com pessoas treinadas e com poder para organizar e acionar a ação de forças de segurança contra quem estiver queimando a floresta. A floresta é de valor inestimável de todos os brasileiros, não só sob o ponto de vista econômico, mas também de beleza natural. A floresta é nossa riqueza. Cada árvore queimada deixará o planeta mais doente e cada brasileiro mais pobre. Uma pobreza que poderá ser nossa herança para nossos filhos, netos e bisnetos”, finalizou o especialista.