O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) deu sinal verde para a venda da Companhia Energética de Brasília (CEB) sem autorização da Câmara Legislativa. Depois de uma tsunami de reações de especialistas, parlamentares e diferentes segmentos da sociedade, o governo revogou, nesta quarta-feira (28), o Decreto 10.530, publicado também ontem para abrir as portas à privatização das Unidades Básicas de Saúde (UBSs): pilares do Sistema Único de Saúde (SUS) e imprescindíveis à população, especialmente na pandemia do coronavírus. No início desta semana, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, confirmou a intenção de vender o ainda nem criado Banco Digital — estruturado para o pagamento do auxílio emergencial e de outros benefícios sociais pela Caixa — por meio da oferta de ações da futura subsidiária, tanto no Brasil como no exterior.
“As empresas e os serviços públicos estão sob ameaças sem precedentes e nem mesmo o direito fundamental dos brasileiros à saúde pública é poupado”, ressalta o presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), Sérgio Takemoto. “Para Bolsonaro e a equipe econômica não importa o papel social do SUS ou da Caixa Econômica. O banco público prova mais uma vez, principalmente nesta conjuntura da covid-19, que é essencial para o país. Apesar disso e da história da Caixa no suporte financeiro à população, a empresa continua na lista do governo para ser vendida aos pedaços”, acrescenta Takemoto.
A agenda de privatizações e de redução de direitos dos trabalhadores, servidores e empregados públicos — como é o caso dos bancários da Caixa Econômica Federal — é reforçada pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. Em entrevista à imprensa nesta quarta-feira, ele defendeu a redução de 10% do valor das contratações, a flexibilização das normas de saúde e segurança no trabalho e também a venda do patrimônio público à iniciativa privada.
Hoje, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que “não é interessante” tratar de privatizações às vésperas das eleições municipais: “Estão todos concentrados em mobilização de bases”. Adolfo Sachsida, contudo, afirmou que não há demora no avanço de concessões e privatizações. “Mesmo em governos passados, esses projetos caminharam com mais intensidade na segunda metade dos mandatos”, observou o secretário de Paulo Guedes.
“Estes governantes insistem em privatizações e na redução de estatais no momento em que o país mais precisa de um Estado forte”, reforça o presidente da Fenae. Análise semelhante é feita pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), ex-ministro da Saúde e um dos autores do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 453/2020, apresentado à Câmara em contestação ao Decreto 10.530.
Ao classificar como “total desconhecimento do SUS” a tentativa do governo de privatizar as mais de 44 mil UBSs, Padilha avaliou: “Tem um misto de intervencionismo com ignorância em relação a como funciona o SUS”. O deputado também comentou sobre a agenda de privatizações do governo: “Parece que a sangria para vender, que é uma prática e uma postura do ministro Guedes e de Bolsonaro, ultrapassa a autonomia dos municípios e qualquer conhecimento em relação ao SUS”.
A representante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), Evaniza Rodrigues, emendou: “Um governo que só tem uma coisa na cabeça: diminuir a participação do Estado”.
MANOBRAS — A Petrobras é outra estatal colocada na lista de privatizações prioritárias. Sob o comando de Roberto Castello Branco, a companhia acelerou o processo de venda de ativos com o argumento de “focar em projetos com maior rentabilidade para reduzir a dívida e melhorar o retorno aos investidores”. Nesta quarta-feira, a Petrobras anunciou a possibilidade de pagar dividendos mesmo tendo registrado um prejuízo de R$ 1,5 bilhão no terceiro trimestre deste ano.
A autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para a privatização disfarçada da Petrobras, sem aval do Congresso e licitação, foi, inclusive, o que respaldou a decisão do TCDF para a venda da CEB, confirmando o leilão da empresa pública para o próximo dia 27. O Tribunal de Contas seguiu posicionamento STF ao concluir, no último dia 1º, o julgamento da Reclamação ajuizada pela Câmara e o Senado contra a venda de refinarias da Petrobras e de outras estatais sem passar pelo Legislativo, conforme prevê a Constituição.
A Reclamação das duas Casas do Congresso Nacional ao Supremo teve origem na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.624) ajuizada, em junho do ano passado, pela Fenae e a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), questionando a privatização fatiada da Petrobras. No entendimento do STF, o governo não pode privatizar as chamadas “empresas-mães” sem o aval do Congresso. Mas, a Corte também entendeu que as subsidiárias não necessitam de permissão do Legislativo para serem vendidas.
“Com esta brecha, o governo Bolsonaro passou a usar tal artifício para criar subsidiárias de atividades essenciais das estatais e depois vendê-las rápida e facilmente, atendendo aos interesses do mercado”, pontua Sérgio Takemoto, ao lembrar que outras duas ADIs tramitam no Supremo contra a Medida Provisória 995, que abriu caminho para a privatização da Caixa por meio da venda de subsidiárias do banco.
SUCATEAMENTO — O presidente da Fanae também chama a atenção para o sucateamento dos serviços públicos. Na avaliação de Sérgio Takemoto, esta é uma estratégia do governo para “justificar” a venda de estatais e de uma reforma administrativa cujo objetivo não é elevar a qualidade da prestação dos serviços.
Dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) mostram que o funcionalismo brasileiro perdeu 100 mil servidores no período em que a população cresceu cerca de 30%. Nas últimas três décadas, a quantidade de funcionários públicos caiu de 710 mil para 610 mil. Ao mesmo tempo, a sociedade aumentou de 164 milhões para 211 milhões de pessoas.
Proporcionalmente, isso significa que, 30 anos atrás, cada servidor atendia a 230 brasileiros. Atualmente, cada trabalhador é responsável por 345 pessoas: um aumento de 50% nesta proporção.
“É fato que a digitalização facilitou o acesso aos serviços públicos. No entanto, nos bancos públicos, e especificamente na Caixa, a realidade é outra”, diz Takemoto. “Precisamos cada vez mais de trabalhadores para atender as pessoas; principalmente, a população de baixa renda, com menos acesso a meios digitais e dependente dos programas e benefícios sociais operacionalizados pela Caixa”, defende o presidente da Fenae.
No caso da Caixa Econômica Federal, a intensidade de trabalho dos empregados aumenta a cada ano, já que a quantidade de clientes cresce enquanto a de bancários, diminui. Em 2007, a média era de 575,7 clientes por empregado. O número mais que dobrou em 2019, chegando a 1.228,3 clientes por bancário.
De 2014 para cá, a Caixa perdeu mais de 17 mil funcionários. Naquele ano, eram cerca de 101 mil trabalhadores. O banco encerrou este primeiro semestre com 84.320 empregados.
Em apenas um ano, a Caixa fechou 713 postos de trabalho, três agências, 29 pontos de atendimento, 44 lotéricas e 75 correspondentes Caixa Aqui. Por outro lado, registrou o incremento de 4,1 milhões clientes.
“Essa defasagem sobrecarrega os empregados e pode comprometer a qualidade do atendimento à população”, observa Sérgio Takemoto. “Não é justo nem com os bancários nem com os brasileiros”, completa o presidente da Fenae.