Dona Cecília, Loyola e a fonte dos imortais

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Roberto Schiavon – Colaboração

Sempre procurei respeitar as pessoas mais velhas. Meu pai me ensinou isso,

de várias formas. Quando nasci, ele tinha 44 anos, e cresci com uma figura paterna mais velha. Herdei dele a paixão por escrever, algo que ele fez como ofício por 50 anos nas páginas deste jornal O Imparcial. E que eu fiz profissionalmente por oito anos, entre 1999 e 2007, e sigo fazendo, por gentileza do Augustinho, que sempre me convida.

Falei do respeito pelos mais velhos, mas jovem é jovem, sempre tem o ímpeto de achar que sabe tudo e que as primeiras impressões são definitivas sobre qualquer assunto ou pessoa. Tive alguns anos de indefinição profissional, até que me formei em Rádio TV na Unesp de Bauru, no final da década de 1990. Só depois cursei jornalismo e me entranhei nesse ofício sofrido e fascinante.

Quando estava quase me formando, meu pai, o jornalista e radialista Sidney Schiavon, levou-me um dia ao jornal O Imparcial pra conversar com a Dona Cecília, que já comandava as operações da empresa, após a morte do seu Paulo Silva. Ele foi pedir a ela que me deixasse fazer um estágio no jornal, porque eu “gostava de escrever”.

A cara que ela fez respondendo “se ele fez Rádio devia pedir estágio em uma rádio e não em jornal” me marcou por algum tempo. “Pai, ela desdenhou de mim”, eu dizia. Meu pai, sempre ponderado, respondia “filho, um dia você vai conhecer a Cecília e vai gostar dela”. Sábias palavras.

Meu pai morreu em 1998, dois dias antes de eu apresentar meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Bauru. Os amigos tentaram, ligando para a faculdade, mas era o último TCC agendado e não conseguimos adiar.

Voltei do cemitério, dormi algumas horas e fui pra Bauru. Tirei nota 10 com louvor, com meu programa de rádio “Paul McCartney, o Último Trovador”. Também, quem deu vida ao roteiro foi Antônio Carlos Araújo, a pedido de meu pai. Aí é covardia.

Alguns meses depois, foi a vez da minha mãe, Dona Ercilinha, ir até O Imparcial pedir pra Dona Cecília me dar uma chance. “Cecília, o menino está perdido em casa, não sabe o que fazer, sentiu muito a perda do pai”.

Dessa vez ela concordou. Entrei no jornal e fui recebido por uma equipe que havia conhecido e trabalhado com meu pai meses antes: Marcia Martins, Donato, Chantilly, Zakaib, André, Augustinho.

Comecei a escrever profissionalmente e descobri que era capaz. O jornalismo me salvou. Ou o Imparcial. Ou Dona Cecília. Ou meu pai e minha mãe. Enfim, nunca é apenas um fator.

O fato é que Dona Cecília comandava tudo com rigor de chefe e coração de mãe. Aprendi que o jeito duro das pessoas muitas vezes é a forma que elas encontraram de encarar todos os reveses da vida, mas que nenhum obstáculo é capaz de roubar a ternura com a qual se nasce. Meu pai estava certo. Não só passei a gostar, como a admirar muito a Dona Cecília. Um

beijo pra senhora.

Às vezes troco ideias com Ignácio de Loyola Brandão por e-mail. Sim, parece petulância, mas é verdade. Falamos sobre meu pai e sobre o Imparcial, pois foram as referências dele quando viu meu sobrenome no remetente do e-mail pela primeira vez. “Seu pai era um pouco mais velho que eu e olhou com carinho para o menino que escrevia críticas de cinema e tinha uma coluna social no jornal”, escreveu Ignácio.

Ignácio de Loyola Brandão, o escritor que eternizou Araraquara nas letras e depois ele mesmo se tornou imortal. Ele trabalhou com meu pai no jornal O Imparcial, por onde passei e por onde tantos passaram e outros tantos permanecem. O jornal que é a memória viva de Araraquara.

Cometendo uma inconfidência, revelo que Ignácio escreve os e-mails com uma fonte bem grande. Acho que a imortalidade tem dessas coisas. As fontes vão aumentando, assim como as memórias e a paixão pelo ofício, pelas pessoas que passaram por nossas vidas e pela nossa cidade.

A cidade é feita de pessoas, que trabalham todos os dias e constroem a história, preservada pelos jornais e pelas memórias. Espero que a fonte do Ignácio fique ainda maior, gigantesca. Do tamanho do amor que sinto pelos que passaram e passam pelo meu caminho e do tamanho da história dessa cidade, que completa 207 anos graças a tanta gente boa que nasceu, trabalhou e trabalha aqui. Parabéns, Araraquara!

Redação

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