sexta-feira, 22, novembro, 2024

Zé Celso, simplesmente

Memórias de um álbum já quase vazio das figurinhas mais preciosas Zezé Brandão

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Ignácio de Loyola Brandão – Colaboração

Crianças cursávamos o Fundamental – na época se dizia primário – no Colégio Progresso de Araraquara, cidade onde nascemos. Colégio

católico, a princípio internato para mulheres, depois abriram para os homens. Zé Celso e eu estávamos em uma das primeiras turmas masculinas. Ele por ser de tradicional família na cidade, eu por minha

mãe ter conseguido uma bolsa de estudos.

Tanto Dona Lina, mãe do Zé, quanto dona Maria do Rosário, minha mãe, eram católicas, piedosas, de confessar e comungar todo final de semana. Fomos criados segundo a rigidez do catecismo. Décadas e décadas mais tarde, adultos os dois, Zé e eu, o SESC de Araraquara nos reuniu em um palco para falarmos de nossa juventude na cidade. A certa altura, indaguei do Zé: “Lembra-se da primeira pergunta do catecismo? Quem é Deus?” E ele, sem vacilar: “Deus é um espirito perfeitíssimo, criador do céu e da terra!”.

Nos finais de semana, os alunos mais bem comportados recebiam uma medalha. Zé, meu melhor amigo, certa vez, avisou: “Se você ganhar a

medalha um dia, nunca mais falo com você”. Se eu não ganhasse, ficaria mal com minha mãe, porque eu tinha bolsa e não podia ser rebelde. Entre a mãe e o Zé, decidi pela mãe, mas ele nunca rompeu comigo. Assim, atravessamos 80 anos. Amigos até hoje quando o fogo o levou.

O Zé chegou a São Paulo e logo criou o Oficina, alugaram uma sala no Bixiga, ali se falava de Stanislavski, Elia Kazan, Marlon Brando, James

Dean e ao mesmo tempo se brincava de mimica. E o Oficina cresceu, teve vida de sucesso e atribulações, um teatro sempre inesperado, revolucionário, inquieto, impetuoso e acima de tudo corajoso. Zé enfrentou a ditadura, a prisão e a tortura, estava em Paris em 1968, e em Lisboa na Revolução dos Cravos. Sofreu ameaças e agressões e permaneceu de pé, lutador. Pianista, escritor, cantor, diretor, cheio de fogo por dentro, acabou morrendo no fogo.

Apenas Amir Haddad está vivo do grupo de diretores que mudaram o teatro no Brasil depois do TBC: Boal, Flavio Rangel, Antunes Filho, Zé Celso

se foram, deixaram um legado. Encenações como “Pequenos Burgueses”, “O Rei da Vela”, “Galileu”, “Roda Vida”, “Gracias Señor”, “Os Inimigos”, “Os Sertões” estão entre os maiores. Zé agora, momentos da história do teatro neste país.

E Zé em seu panteão.

Redação

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