Peterson Ruan
A saúde no Brasil, com a Constituição Federal de 1988, foi universalizada, ou seja, foi tornada pública. Entre os principais avanços promovidos, o artigo 196 é um dos mais celebrados: “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Antes da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), apenas os trabalhadores com carteira assinada e sem dívidas com a Previdência Social tinham direito à assistência médica pública. Com o novo texto constitucional, no entanto, a saúde passou a ser um direito garantido pelo Estado aos brasileiros – hoje, aproximadamente 170 milhões de pessoas dependem unicamente do sistema.
Os hospitais filantrópicos são os grandes responsáveis pela prestação do serviço público de saúde. Está aí a importância do terceiro setor: cumprir um papel que é dever do Estado. Especificamente, as Santas Casas de Misericórdia de todo Brasil salvam vidas a cada minuto, cuidando, todos os dias, de uma volumosa população. Nos últimos anos, a demanda só aumentou e os recursos diminuíram. Com a pandemia da Covid-19, as Santas Casas dependeram de doações e voluntariado para manterem as portas abertas. Esse apoio foi fundamental para a prestação de serviço no combate ao novo coronavírus, já que não foram feitos os devidos repasses pelas autoridades municipais.
A tabela SUS tornou-se o grande problema aos dirigentes dos hospitais filantrópicos. Os repasses, na sua maioria, acabam não cobrindo os custos com o paciente atendido. Diante da crise no setor filantrópico, a Confederação das Santas Casas, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB) lançou, na última semana, a campanha: “Chega de Silêncio! Gestores e Profissionais de saúde rompem o silêncio para expor a crise da maior rede hospitalar do SUS”. Não estou falando de malfeitos e más gestões, mas sim de falta dos mínimos repasses necessários.
A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Araraquara é apenas mais uma das centenas de Santas Casas que pedem socorro. Contudo, infelizmente, esse pedido de socorro não é ouvido por todos, seja pela insensibilidade de alguns ou falta de vontade política de outros. Não podemos deixar que, após 120 anos de prestação de serviços à população araraquarense e região, a Santa Casa de Araraquara feche suas portas.
O conselho de administração e sua mesa diretora são formados por pessoas sérias e abnegadas, em prol da Santa Casa, de seus colaboradores, médicos, estagiários e pacientes. Até aqui, eles fizeram tudo o que foi possível para manterem as portas abertas, garantindo o atendimento na oncologia e outras especialidades. Em média, são 700 internações e 1.200 atendimentos referenciados por mês, e inúmeras vidas salvas todos os dias. A Santa Casa de Araraquara é diferenciada por possuir a certificação de qualidade e atendimento QMENTUM IQG Canadense.
O Brasil e o mundo vivem um momento de alta da inflação, atingindo diretamente os custos de insumos e medicamentos. Enquanto isso, os valores recebidos mensalmente pela Santa Casa de Araraquara permanecem como sempre foram. Na prática, o governo federal, via SUS, mantém os repasses em R$ 3.249.530,80, o governo estadual em R$ 1.186.000,00 e a municipalidade em R$ 180.000,00, somados dois contratos: leitos de retaguarda e pró-Santa Casa. Não se espantem, é isso mesmo! Há um total desequilíbrio financeiro, já que os custos mensais são próximos de R$ 7.400.000,00, o que gera um déficit mensal. A Santa Casa, para continuar funcionando e atendendo a população, depende de empréstimos de instituições financeiras, que aproveitam para lucrarem com juros e amortizações da dívida todos os meses. Não existe mágica!
É sabido por todos que o repasse do SUS está desatualizado, que o governo estadual não aumentará o valor repassado e que as doações das empresas não acontecem todos os meses. É totalmente injusto o executivo e o legislativo municipal se unirem para apontarem o e acusarem a administração do hospital, buscando um culpado pelo endividamento com a alegação de “má gestão”.
A Constituição Federal determina que os municípios invistam, no mínimo, 15% de sua arrecadação na saúde. Hoje, todos sabemos que esse preceito constitucional caiu em desuso faz tempo, já que não existe Prefeito que investe menos de 25% na saúde, o que é correto. Em Araraquara, não deveria ser diferente. Mas, independentemente do quanto é investido na saúde, as autoridades locais devem voltar seus olhos para a Santa Casa na busca de soluções. Um investimento anual de R$ 2.160.000,00 equivale a, apenas, 0,22% do orçamento da cidade. É assim que vamos salvar a Santa Casa?
Nessa linha, não poderia deixar de manifestar minha solidariedade a todo corpo diretivo da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Araraquara, seus colaboradores e médicos. Sensibilizado com o atual momento, levo ao Senado Federal o apoio, junto ao Ministério da Saúde, na audiência que ocorrerá no dia 26 desse mês de abril, encabeçada pela CMB, onde a pauta é a abertura de um orçamento extraordinário. Com isso, vamos evitar a morte da saúde pública no nosso país. Agora é hora de unir esforços em busca de soluções, não apontar culpados.