Com a conclusão da Polícia Federal de que não houve mandante da facada que Adélio Bispo de Oliveira desferiu em Jair Bolsonaro, o foco do presidente no caso passa a ser o julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a perícia em materiais apreendidos com advogados do autor do crime.
O caso foi remetido à corte em fevereiro, mas está parado. Como a ação ainda não foi distribuída internamente, não foi escolhido nem sequer o ministro relator. A decisão sobre o assunto é considerada importante porque pode fornecer elementos para abrir novas frentes de investigação.
Como a Folha de S.Paulo mostrou em abril, a PF descartou no inquérito a participação de terceiros no planejamento ou execução da facada, confirmando a tese de que Adélio agiu sozinho. O relatório, concluído nesta quarta-feira (13), será apresentado nesta quinta (14) pelo delegado Rodrigo Morais, que conduz a apuração.
Esse foi o segundo inquérito aberto pela PF sobre o caso. O primeiro, finalizado ainda no mês do atentado, em setembro de 2018, já havia demonstrado que Adélio atuou por conta própria ao tentar assassinar o então presidenciável durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). O autor está preso desde então.A pressão sobre a investigação se elevou nas últimas semanas, com afirmações de Bolsonaro que puseram em xeque o trabalho da PF. O presidente e seus apoiadores voltaram a propagandear a versão de que o crime teria sido encomendado a Adélio, o que nunca ficou provado nos inquéritos.
A insatisfação de Bolsonaro com o resultado foi um dos ingredientes alegados por ele para a troca no comando da corporação, o que levou ao pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro.
Agora, o STF terá que decidir se autoriza ou não a análise de celulares, documentos e outros itens apreendidos pela PF no escritório do advogado Zanone de Oliveira Júnior, que assumiu a defesa de Adélio logo após o fato. Desde o fim do ano passado, ele é representado pela DPU (Defensoria Pública da União).
A corte dirá se o exame dos materiais viola o sigilo profissional do advogado, garantido pela Constituição. A perícia foi suspensa em 2019, após a Justiça atender a um pedido apresentado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
O debate judicial estava ocorrendo no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), que em fevereiro resolveu encaminhar o caso ao STF, por se tratar de assunto constitucional.
A atuação da OAB em defesa do advogado está na raiz dos ataques de Bolsonaro ao presidente nacional da entidade, Felipe Santa Cruz, em julho do ano passado. Na ocasião, o titular do Planalto disse que poderia explicar a Santa Cruz como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985).
Os registros recolhidos no escritório de Zanone poderiam fornecer pistas sobre possíveis contratantes ou financiadores de Adélio, abrindo caminho para eventualmente se chegar a nomes de terceiros envolvidos na tentativa de assassinato. O defensor sempre refutou essa hipótese.
O advogado Antônio Pitombo, que representa Bolsonaro no processo, confirmou à reportagem que as atenções agora se voltam para o Supremo. “Há uma prova pertinente e relevante que depende do julgamento de um mandado de segurança, que se encontra no STF”, afirmou, referindo-se aos itens apreendidos.
Mesmo sem um veredito, a PF trabalha com a possibilidade de reabrir a investigação no futuro caso o STF autorize o pente-fino nos materiais.
“Existem rumores de provas novas também”, continuou, em alusão a informações difundidas nos últimos dias pelo presidente, pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho dele, e por outro advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef.
Eles falaram publicamente sobre supostas testemunhas que ajudariam a esclarecer o caso e levariam à descoberta de mandantes que seriam ligados a partidos de esquerda, como PT e PSOL. A PF tem dito que tais pessoas foram ouvidas nos inquéritos e não forneceram nenhuma pista relevante.
As duas legendas repudiaram as tentativas de associá-las ao crime e entraram na Justiça contra o que consideram difamação. O ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), também citado em postagens de perfis bolsonaristas, processou autores e pediu que as insinuações envolvendo seu nome sejam apagadas.
Apesar das conclusões da Polícia Federal até o momento, Pitombo mantém a crença de que existe mandante. “A investigação criminal procura a verdade, e devemos envidar todos os esforços para apurar a coautoria por trás desse grave crime”, diz ele.
Quando Adélio foi declarado inimputável e inocentado pela Justiça Federal, a defesa de Bolsonaro não recorreu da decisão. O esfaqueador recebeu a chamada absolvição imprópria, figura jurídica usada quando o réu é comprovadamente autor do crime, mas não pode ser responsabilizado por ele.
No último dia 28, o presidente disse que a facada foi negligenciada pela PF e defendeu que a investigação fosse reaberta –àquela altura, contudo, a apuração finalizada nesta semana ainda estava em andamento.”A conclusão foi o ‘lobo solitário’. Como é que pode o ‘lobo solitário’ com três advogados, com quatro celulares, inclusive andando pelo Brasil?”, afirmou Bolsonaro, acrescentando não ter provas que corroborem sua tese. “Eu tenho é sentimentos, sugestão para dar para a Polícia Federal.”
Procurada nesta quinta, a Presidência da República afirmou que não comentaria o novo relatório da PF.O advogado Zanone de Oliveira Júnior reiterou a informação de que seu antigo cliente, que recebeu um diagnóstico de transtorno delirante persistente, fez tudo sozinho. “Adélio está em sofrimento mental e vive em outra realidade. Tem uma percepção diferente das coisas, segundo os psiquiatras”, disse.
Agora, o MPF (Ministério Público Federal) decidirá se pede o arquivamento do caso ou a realização de mais diligências. A manifestação será enviada ao juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal de Juiz Fora.
O relatório, com mais de 300 páginas, traz o resultado do que a PF descobriu sobre o crime desde 2018. Esse segundo inquérito tinha como objetivo aprofundar as apurações sobre conexões de Adélio, que disse ter agido a mando de Deus para tentar livrar o Brasil da vitória de Bolsonaro, que via como uma ameaça.
Entre as teorias e fake news desmentidas pelas apurações, estão a versão de que o esfaqueador estaria ligado a organizações criminosas e teria recebido a ajuda de comparsas. A conclusão foi a de que o autor arquitetou e cometeu o crime sem o auxílio de outras pessoas.