O presidente Jair Bolsonaro sancionou, na última sexta-feira (15), a lei que reduz a quantia de R$ 690 milhões do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações, que seria destinada ao financiamento de pesquisas e projetos científicos. Com o corte, a pasta perdeu cerca de 90% do seu orçamento. O valor será repassado para outros ministérios.
A mudança foi aprovada pelo Congresso a pedido da área econômica do governo federal. Em justificativa para o pedido, a pasta de Economia alegou que a proposta de orçamento para 2022 aumentará consideravelmente os recursos para projetos de pesquisa.
Do montante total, R$ 34,578 milhões iriam para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e os R$ 655,421 milhões restantes seriam destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que apoia os programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais.
Em reação a medida, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e outras entidades da área de ciência, tecnologia e inovação, realizaram uma mobilização em defesa do setor. Oito entidades da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) enviaram uma carta ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, para a liberação dos R$ 2,7 bilhões ainda existentes no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) em 2021.
O representante da Associação Nacional dos Dirigentes de Ensino Superior (Andifes), Dácio Mateus, defendeu a reposição dos recursos previstos para a pesquisa científica e destacou que 90% da ciência brasileira é realizada em universidades e instituições públicas.
Pesquisa em Araraquara
O diretor do Instituto de Química da Unesp/Araraquara, Sidney José Lima Ribeiro, concedeu entrevista exclusiva ao Jornal O Imparcial, onde detalha como os cortes no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia vão afetar a pesquisa no Instituto de Química da Unesp, em Araraquara. Ele também fala das expectativas do campo acadêmico para o futuro das Ciências no Brasil.
Sidney José Lima Ribeiro é Diretor do Instituto de Química UNESP (2020-2024). Professor titular no Instituto de Química- UNESP em Araraquara, Bacharel em Química (UNESP-1982), Mestre em Química Inorgânica (UNESP- 1987) e Doutor em Química Inorgânica (UNESP-UFPE-1992). Ele ainda tem vários textos publicados na revista FAPESP, entre outras revistas da área científica.
Veja a entrevista na íntegra:
O Imparcial: Como o corte no Orçamento impacta a produção de ciência no país?
Sidney: “Recursos para Ciência e Educação deveriam ser considerados como investimento e não gasto. Quando entendermos isso e conseguirmos um sistema de Ciência e Educação que independa deste ou daquela partido, ou seja, que sejam projetos de Estado e não de governo, poderemos ter alguma esperança. A Ciência é motor de desenvolvimento social e econômico. O Banco Mundial mostra isso claramente. A cada dólar investido em Ciência, em 5 anos você terá 10 dólares de retorno. Os investimentos em Ciência e Educação devem ser perenes. Não há como investir, parar de investir e investir novamente. Não é como uma estrada que se investe, se inicia a construção, o investimento recua, a construção para e novamente se investe e se retoma a construção do ponto onde havia parado. Com Ciência não é assim que funciona. Não se recuperam os níveis que havia antes da mudança. Desta forma, cortes profundos como os que temos assistido têm consequências trágicas e nefastas para o país. A independência cientifica e tecnológica que almejamos é a base de nosso futuro. É a nossa soberania que está em jogo. Não há outro caminho. Se somarmos os recursos de FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), CNPq e CAPES veremos que tínhamos algo em torno de 14bi em 2015. Em 2021 este valor deve girar em torno de 5bi. O orçamento do CNPq, principal agência de fomento à pesquisa científica no País, caiu de R$ 1,4 bilhão em 2018 para R$ 872 milhões. De acordo com o Ministro Marcos Pontes, o corte de verbas não deve afetar o pagamento de bolsas existentes. Mas, se os recursos cortados na semana passadas não forem recompostos não haverá recursos do CNPq para financiamento a pesquisa o que se configura numa situação sem precedentes. Além disso, segundo ele, o corte afeta a destinação de recursos para os institutos nacionais de ciência e tecnologia, cujo orçamento já estaria defasado em 30%, e para o Centro Nacional de Vacinas. O Projeto de Lei do Congresso Nacional PLN 16/21, do Poder Executivo, soou num primeiro momento como um alívio aos pesquisadores. Imediatamente o CNPq lançou um edital de financiamento de pesquisas cujas propostas já foram inclusive submetidas por pesquisadores do Brasil inteiro. R$ 690 milhões estavam previstos. Até quinta-feira passada, quando por ordem do Ministro da Economia, sancionada pelo presidente, os recursos sofreram um corte de 90%”.
O Imparcial: Como esse corte de recursos impacta as pesquisas nas unidades da Unesp de Araraquara?
Sidney: “O CNPq é a agência federal de financiamento a pesquisa para todo o país. As unidades da UNESP de Araraquara sofrerão o mesmo impacto que todos as outras Universidades e Instituto de pesquisa do país. Cito o exemplo aqui do Instituto de Química com grandes projetos de pesquisa como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia que podem perder investimentos da ordem de R$ 10 milhões previstos para os próximos meses”.
O Imparcial: Os cortes também afetam alunos bolsistas do CNPq? Como isso afeta o andamento de pesquisas e a formação dos estudantes?
Sidney: “Segundo o Ministro, não estão previstos cortes para as bolsas em andamento. Lembrando que os valores das bolsas estão congelados desde Entretanto não há previsão de recursos para bolsas novas o que, claramente, tem efeitos nefastos com o comprometimento na formação de toda uma geração de pesquisadores. É a produção de ciência e tecnologia, mas, principalmente a formação de recursos humanos de qualidade”.
O Imparcial: Quantos alunos vão deixar de receber bolsas do CNPq?
Sidney: “O corte envolvendo os recursos (bolsas e dinheiro para realização de pesquisas) previsto para as chamadas em andamento, e ainda nem julgadas, do CNPq infelizmente é profundo. Simplesmente não há recursos. Zero!”.
O Imparcial: A Unesp de Araraquara criou projetos que ajudam no combate à pandemia do coronavírus. Com os cortes no orçamento, eles podem ser afetados?
Sidney: “A importância da Ciência ficou escancarada com a pandemia. As vacinas foram desenvolvidas em tempo recorde e a consciência dos cuidados e precauções que evitaram uma tragédia ainda maior vieram dos cientistas. O ecossistema de pesquisa e ensino criado na UNESP cria as condições para o desenvolvimento de novas tecnologias, produção de fármacos, testes de laboratório (incluindo os de Covid) e atendimento a comunidade. Veja por exemplo o filme no YouTube mostrando o Núcleo de Atendimento a Comunidade da Faculdade de Ciências Farmacêuticas do Campus de Araraquara (https://www.youtube.com/watch?v=-7Dhf-0J54c). O NAC é o responsável pelos exames de Covid de toda a região com centenas de exames por dia. Esse ecossistema é complexo e envolve o orçamento próprio da Universidade, o financiamento das agências de fomento, entre elas FAPESP e CNPq, convênios com SUS e secretarias, entre outros. O enfraquecimento de um dos elos dessa grande corrente tem consequências no sistema todo e é isso que estamos assistindo, o enfraquecimento, senão a exclusão mesmo, do elo CNPq. Ressalte-se aqui o manifesto da última sexta-feira de mais de oitenta entidades científicas contra a manobra do Ministério da Economia retirando recursos do CNPq (http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/mais-de-80-entidades-cientificas- subscrevem-manifesto-contra-manobra-sorrateira-do-ministerio-da-economia-que-retira-recursos-do-cnpq/)”.
O Imparcial: Como o senhor enxerga o futuro das Ciências no Brasil?
Sidney: “É preciso ser otimista e acreditar que conseguiremos estabelecer um sistema de Ciências e Educação forte que seja independente do partido que está no governo. Mas há uma crise real e uma situação emergencial que está posta. Infelizmente o futuro está comprometido com o que tem acontecido sistematicamente nos últimos dois anos. A Sociedade precisa reagir. É a soberania nacional em jogo. Deixo aqui uma pergunta do tipo daquela do ovo e da galinha. Só nações fortes podem ter Ciência forte? Ou é justamente o desenvolvimento de uma Ciência forte que torna uma nação forte?”, finaliza o diretor do IQ da Unesp em Araraquara.