Além da polêmica que envolve a possibilidade de deixar os alunos da rede estadual paulista apenas com material didático digital, criticada por especialistas e educadores, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) tem pela frente o desafio de ter se posto fora do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) no período entre 2024 e 2027.
Esta é a primeira vez em mais de 80 anos, desde a criação do projeto, que o estado decide não aderir ao PNLD, e sem consultar as escolas e a própria comunidade pedagógica.
A professora Jaciara Cruz, diretora-geral e fundadora da consultoria educacional Ideias de Futuro, lembra que, além de uma perda financeira importante de recursos federais que seriam transferidos para o estado, existe um risco didático, já que os principais vestibulares do país se guiam pelos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, que é desenhado na esfera federal.
“O estudante paulista corre o risco de ter sido menos exposto a nuances de conteúdo que podem se refletir no exame nacional”, avalia.
“Olhando pelo lado da elaboração da prova, por mais que a diretriz geral do conteúdo seja a BNCC [Base Nacional Comum Curricular], cada professor que vai construir questões chega com a sua bagagem e experiência. E o material didático utilizado no seu dia a dia, para preparar as suas aulas e provas, tem um grande impacto nessa bagagem.”
Segundo Jaciara, a decisão de excluir o material de base utilizado pela maioria dos educadores envolvidos na elaboração do Enem e pela maioria dos estudantes participantes é arriscada.
“Nuances de forma, redação, cadência de evolução e valorização de determinados componentes dentro de um mesmo assunto são parte natural do processo de elaboração das questões. Em uma prova intensa, feita para diferenciar diversas faixas de performance, a familiaridade do estudante com essas nuances pode ter impacto importante no seu resultado. [A mudança] demandaria piloto, pesquisa com critério. Requer medir na prática se os estudantes não estão sendo impactados de forma negativa antes de ser implementada para toda a rede de ensino envolvida”, completa a professora, que é mestre em empreendedorismo social pela Universidade de São Paulo.
Diretor do cursinho da Poli, Gilberto Alvarez acredita que o modelo proposto pela gestão Tarcísio é “um desastre no campo da educação”. Ele lembra que o Programa Nacional do Livro Didático tem reconhecimento internacional e é um dos melhores do mundo, além de ser de graça, enviado pelo correio.
“Quando você transforma a leitura em slides, em uma sequência de tópicos, você exclui o aluno de um universo de repertórios gigantesco. Ao reduzir a quantidade de obras e de leituras, prejudica-se um universo de conhecimentos e oportunidades.”
O educador acrescenta que, ao ficar de fora no PNLD e elaborar um material próprio, o governo de São Paulo tira a autonomia de escolha da obra didática pelo docente, o que interfere diretamente na qualidade da aula. “Transforma o professor em um robô. É muito preocupante.”
Gestor e idealizador do Curso Enem Gratuito, voltado especialmente para alunos de escolas públicas, João Vianney lembra ainda que é da BNCC que saem os componentes que mais tarde vão virar questões de classificação dentro do Sistema de Avaliação da Educação Básica, o Saeb.
“Claro que São Paulo pode ir além do que é o conteúdo básico ministrado em todo o país. Mas não pode oferecer nada menos do que isso. A base comum é nacional.”
Gestão abre mão de 10 milhões de livros
Após forte reação de professores e educadores, o governador afirmou, no último fim de semana, que os alunos da rede estadual vão receber impresso o material didático elaborado pelo governo paulista, além de ter acesso digital ao mesmo conteúdo.
A adesão do estado ao Programa Nacional do Livro Didático representaria o recebimento de quase 10 milhões de exemplares de livros didáticos para o ensino fundamental, cerca de 15% de todas as compras feitas pelo governo federal.
Somados, eles representariam um investimento de R$ 120 milhões na educação paulista, o que equivaleria a sete livros para cada um do 1,4 milhão de estudantes do ensino fundamental 2 (do 6º ao 9º ano).
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) abriu um inquérito para investigar a decisão do governo do estado de dispensar os livros didáticos. A gestão Tarcísio ressaltou que está desenvolvendo o próprio material.
“Mas isso não é novidade no estado de São Paulo, que já tem material próprio há algum tempo. Então, a gente está aperfeiçoando esse material, e nós vamos encadernar esse material e entregá-lo também”, disse Tarcísio, também no fim de semana.
Livros para riscar
Na segunda (7), o secretário de Educação da gestão Tarcísio de Freitas, Renato Feder, afirmou que é importante “o aluno poder escrever, grifar, anotar, rabiscar no próprio livro”, mas lembrou que os estudantes não podem fazer anotações nos exemplares do PNLD, pois eles serão reutilizados pelas turmas seguintes.