sexta-feira, 20, setembro, 2024

A ANS comandada pelas operadoras de planos de saúde

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Peterson Ruan

Quem nunca teve problema com plano de saúde, com certeza conhece alguém que teve. Inclusive, deve conhecer quem teve que bater às portas do Judiciário para se socorrer da negativa infundada das operadoras de planos de saúde e, só assim, ter garantida a realização daquele exame, tratamento, obtenção de medicamento ou prótese.

Quando contratamos um plano de saúde, buscamos a segurança de poder contar com atendimento médico de qualidade, com médicos credenciados em diversas especialidades, laboratórios e hospitais.

Contratar um plano de saúde, também, é buscar a garantia de que os altos custos com eventuais imprevistos, como internações e cirurgias, terão suas despesas cobertas, pelo menos na sua maior parte, pela operadora. 

Isso porque, infelizmente, o nosso SUS (Sistema Único de Saúde) não comporta a quantidade de pessoas que precisam utilizar serviços públicos de saúde. Depender do SUS é amargar uma grande fila de espera, que pode chegar a meses, para conseguir agendar uma consulta ou um exame. Isso sem contar os diversos casos e relatos de falta de assistência médica.

Assim, para aqueles que possuem condições, há a possibilidade de contratar um plano particular e fazer parte da saúde suplementar, o ramo da atividade que envolve operação de planos e seguros privados de assistência médica. A regulação e a fiscalização são de responsabilidade da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que, reconheço, é importante e indispensável para dar suporte ao Sistema Nacional de Saúde.

É um contrato bem complicado porque, vira e mexe, aquele médico que você se consultava deixou de ser credenciado ou aquele hospital que tem todo o seu histórico também não consta mais da lista de referenciados.

Sem mencionar os aumentos de valores, que são recorrentes, e as cobranças que ninguém entende, os chamados “reajustes livres”: “aniversário da apólice”, “mudança de faixa”, “alta pela sinistralidade” e assim por diante.

Por conta desses aumentos, que variaram de 12% a 49%, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) divulgou que as operadoras de planos de saúde voltaram a ser líderes no ranking de reclamações de consumidores.

Tais planos coletivos, empresariais e por adesão, somam 80% dos usuários. Seus reajustes, pasmem, não são regulados pela ANS, pois a negociação é realizada diretamente entre operadoras de planos de saúde, empresas e entidades de classe, levando em consideração os critérios estabelecidos no contrato, o indicador Variação do Custo Médico Hospitalar (VCMH), do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar e o índice de sinistralidade.

Enquanto milhares de consumidores estão sofrendo para arcar com tais reajustes abusivos e toda sensação de insegurança daí decorrente, a ANS divulgou que o lucro líquido das operadoras de planos de saúde em 2020 teve aumento de 49,5%, perfazendo R$ 17,5 bilhões, em 2020.

Todo esse panorama serve para que eu coloque em texto a minha indignação sobre o assunto. Mas, principalmente, quero chamar a atenção que segue pendente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o julgamento sobre outra questão que também envolve ANS, planos de saúde e nós, usuários.

A questão é se a lista de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde. Ou é exemplificativa e as operadoras dos planos podem ser obrigadas a cobrir procedimentos não incluídos nessa lista, ou é taxativa e elas podem negar a cobertura.

Temos a posição do Ministro relator, Sr. Luis Felipe Salomão. Em seu voto, ele defende que a lista é taxativa e que tal taxatividade é fundamental para que o sistema de saúde suplementar funcione de maneira adequada e justa, com o fim de garantir os próprios usuários que seriam prejudicados caso os planos sejam obrigados a cumprir, indiscriminadamente, ordens judiciais para a cobertura de procedimentos fora do rol da ANS. No voto, também constou a possibilidade de casos excepcionais, desde que devidamente comprovada a necessidade e pertinência do tratamento e que houvesse critérios técnicos a favor, oportunidades em que o Judiciário determinaria a cobertura pelo plano.

Se prevalecer esse entendimento, o usuário que tiver negada a cobertura pelo seu plano de saúde, terá que buscar guarida junto ao SUS, sobrecarregando ainda mais um sistema deficiente e insuficiente.

Já a ilustre Ministra Nancy Andrighi abriu divergência, pois votou pelo caráter exemplificativo da relação da ANS. Em seu entendimento (e eu concordo com a Ministra), a lista de procedimentos é importante para o sistema de saúde suplementar, mas, por ser uma lista de uma agência reguladora não pode ela se sobrepor ao direito à saúde, à cobertura assegurada na Lei dos Planos de Saúde e, tampouco, pode ser utilizada para impedir a realização do tratamento individualizado pelo médico, com novos procedimentos e tecnologias na área da saúde, indicados para a recuperação e cuidado do usuário.

A Ministra ainda ressaltou, ao fundamentar sua posição divergente, a vulnerabilidade do consumidor em relação às operadoras dos planos e da falta de conhecimento técnico e científico para entender, analisar e escolher os riscos que assumirá quando da contratação do seguro e todas as opções de tratamento que terá à disposição caso venha a adoece.

A análise do caso foi suspensa após o pedido de vista do Ministro Villas Bôas Cuevas.

A verdade é que a conta sempre será paga pelos usuários, seja pessoa física ou jurídica. Os dados e números da ANS mostram que não há, assim como nunca houve e não haverá, prejuízo ou “desestabilização financeira”, como pretendem fazer crer as operadoras. 

Espero que o STJ faça valer a Constituição Federal e que reconheça que o direito à saúde, o direito à vida e o direito à dignidade da pessoa humana são os objetos do contrato de saúde suplementar, pois a pessoa quando contrata um plano de saúde não quer outra coisa senão garantir sua vida e a daqueles que importam.

A lista é meramente exemplificativa, editada de tempos em tempos, que não acompanha o progresso da medicina e, portanto, serve para que as operadoras de saúde garantam o mínimo de procedimentos. Reconhecer algo diferente disso fará com que milhares de usuários fiquem à mercê da sorte, esperando, torcendo, rezando para que o medicamento ou tratamento entre para o rol da ANS antes da morte.

Redação

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