*Gabriela Palombo
Torcer para o Palmeiras é lição que veio de casa. Ainda novinha, final dos anos 80 quando o Palmeiras vivia um jejum histórico por títulos, meio envergonhada pela zoeira dos amigos torcedores de times que colhiam
conquistas naquele período, me assumi palmeirense por influência do meu pai, que foi influenciado por meu avô.
Poucos anos depois, início dos anos 90, chegou a era Parmalat e como numa montanha-russa, o Verdão subiu rapidamente! Atropelou adversários, recuperou prestígio, conquistou títulos em finais históricas, fez
estrago no coração dos rivais e euforia nos nossos! Fechando a década em 2000 com a conquista da Libertadores, o Palmeiras foi proclamado pela Federação Paulista de Futebol e pelos mais importantes jornais e revistas do país o Campeão do Século XX do futebol brasileiro.
E então, novamente, a montanha-russa. Com a saída da Parmalat em 2000, o Palmeiras viveu o seu pior revés ao amargar rebaixamento para a série B do Brasileirão em 2002. Tal vexame evidenciou, no mínimo, que a década dourada dos anos 90 acomodou a direção do clube de tal forma, que ao perder a Parmalat, o Palmeiras perdeu o prumo. Como pôde um time que ganhou tanto por 10 anos, ficar a pão e água ao final da parceria?
Desde o rebaixamento em 2002, o Palmeiras passou por jejum de títulos durante 10 anos, recuperando um pouquinho de prestígio ao conquistar a Copa do Brasil em 2012. E seguiu aos trancos e barrancos até 2015, quando uma nova página da nossa história começou a ser escrita ao firmarmos parceria com a CREFISA.
E com a chegada da CREFISA, chegou também Leila Pereira.
Embora nunca tenha trocado um “oi” com Leila, fica evidente que seu perfil é de uma líder nata. Daquelas que fazem jus ao ditado “o olho do dono é que engorda o gado”. Da mesma forma que se envolveu e
paulatinamente, conquistou o topo do comando dos negócios com o marido, assumindo a presidência da CREFISA e da FAM e 2008, Leila trabalhou de forma semelhante quando, em 2015, firmou parceria da
CREFISA como patrocinadora máster do Palmeiras.
Diferente das relações estabelecidas com patrocinadores no passado, Leila passou a cuidar de perto a gestão dos investimentos patrocinados por sua empresa compondo o Conselho Deliberativo do clube, motivada ainda mais por questões pessoais: ela e o marido são palmeirenses apaixonados.
É fato dado que na condição de conselheira, Leila se movimentava e cada vez mais assumia protagonismo nos debates e deliberações envolvendo a gestão do clube. Cada centavo patrocinado pela CREFISA era investido sob seu olhar e aprovação.
Assim, após dois mandatos no conselho Deliberativo, trabalhando por anos de forma a acumular conhecimento e força política, Leila Pereira foi eleita presidente do Palmeiras no final de 2021, numa disputa sem concorrentes e com apoio da gestão anterior, liderada por Maurício Galiotte, para sucedê-lo durante o mandato de 2022 a 2024.
Leila Pereira tornou-se a primeira mulher a presidir um clube da elite do futebol paulista.
Toda mulher que se propõe a disputar cargos e progredir profissionalmente em espaços tradicionalmente dominados pelos homens paga um preço alto. Pra começo de conversa, é preciso fazer, no mínimo, o dobro em qualidade comparado ao desempenho do homem na mesma função. Pois sua capacidade em virtude da condição de gênero é questionada o tempo todo e de formas covardes.
Leila assumiu o mandato efetivamente em 15 de dezembro de 2021. Em janeiro de 2022, sem que o time profissional sequer tivesse disputado uma partida, já enfrentava críticas à sua gestão por parte da torcida e da própria oposição, bombando nas redes além do “#ForaLeila o apelido “Leiga Pereira”.
Em março de 2022, completando três meses de mandato, sua gestão não é apenas criticada, mas desqualificada, conforme trecho que destaco da matéria publicada no site Torcedores, repercutindo twitter do jornalista Allan Simon: “Eu fico impressionado como absolutamente nada é bom na gestão da Leila Pereira no Palmeiras até aqui… O que funciona é o que vem da engrenagem que gira graças ao pessoal do clube. Até relógio parado acerta 2x por dia, a gestão dela não.”
Detalhe: no mesmo dia em que a crítica deste jornalista foi repercutida, 16 de março de 2022, o Palmeiras bateu recorde de público no Allianz Parque vencendo o Corinthians por 2 x1, mantendo a liderança invicto e a melhor campanha do campeonato Paulista naquele momento.
Completado um ano de mandato, o balanço do desempenho do Palmeiras sob a presidência de Leila em 2022 foi simplesmente o do ano mais vitorioso da história do clube: 15 títulos conquistados levando em
consideração futebol profissional, de base e feminino.
E não parou por aí. O balanço apresentado na prestação de contas de sua gestão foi marcado pelo equilíbrio dos gastos com contratações e arrecadação com venda de jogadores. Cresceram receitas de sócios, bilheteria e vendas de jogadores. Diminuiu o endividamento do clube. A repercussão desse balanço exitoso foi amplamente noticiada na imprensa.
Mas o machismo que ainda permeia fortemente o universo do futebol exige de Leila o que não exigiu dos presidentes anteriores e nem exige de presidentes em exercício dos demais clubes: o melhor ainda é
pouco!
Assim, exatamente no dia em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, 08 de março, a primeira mulher a presidir um clube de futebol e que apresentou resultados expressivamente positivos em seu primeiro ano de mandato, foi atacada por uma nota assinada pela maior torcida organizada do Palmeiras, a Mancha Alvi Verde. As críticas da nota são tão rasas que nem vale a pena considerar. O explícito pelo em ovo.
O que vale a pena atentar é para o simbolismo do gesto: atacar uma mulher que se destaca num espaço dominado majoritariamente por homens justamente no dia em que avanços e conquistas das Mulheres são celebrados no mundo.
Após a temporada mais vitoriosa da nossa história em 2022, o time perdeu peças chaves, sendo Gustavo Scarpa a perda mais significativa no conjunto. Mesmo tendo renovado contratos fundamentais e mantido a base do elenco, a pressão para contratação de reforços se deu de forma ostensiva.
No entanto, a cada entrevista em que Leila botava o pé no freio e afirmava que o Palmeiras não investiria apenas como resposta às pressões, a firmeza dessa mulher era claramente recebida cada vez mais como uma afronta.
Embora o técnico Abel Ferreira endossasse as posições da presidente, a pressão por contratações, somada ao oportunismo das críticas que já colhia antes mesmo de mostrar a que veio, passou a fortalecer uma narrativa descolando as responsabilidades e posições de Abel com as de Leila. Enquanto Leila era bombardeada na cobrança por reforços, Abel era poupado de qualquer crítica ou pressão.
Após o encerramento da janela para alterações no elenco, enquanto Corinthians, São Paulo e Santos, juntos, contrataram 11 atletas para este novo ano, o Palmeiras sob a gestão de Leila e comando de Abel, não contratou ninguém.
No último dia 09, o Palmeiras sagrou-se campeão do Paulistão 2023. Conquistou o segundo título do profissional esse ano, sendo o primeiro a Supercopa. Na base, vencemos a Copinha. Santos sentiu de perto o cheiro do rebaixamento, São Paulo e Corinthians não passaram das semifinais. O Flamengo, com o elenco mais caro da América do Sul, perdeu o carioca para o Fluminense.
Mais uma vez, Leila Pereira “mata a cobra e mostra o pau”. Cautela, equilíbrio e conquistas! Ante o cenário constrangedor onde cada peitada da Leila aos críticos que insistem na sua desqualificação pessoal se mostra acertada e eficiente, o machismo precisa encontrar novas formas de desqualificá-la. O que me motivou escrever esse texto foi o trabalho de visitar uma infinidade de grupos e páginas de torcida palmeirense em redes sociais após a conquista do Paulistão, bem como críticas da imprensa esportiva.
Nas imagens e nos comentários, toda glória ao Abel Ferreira. Com muita justiça, afinal, seu trabalho é de inquestionável qualidade. Abel merece todo nosso reconhecimento e gratidão. Mas após a pressão pesadíssima sobre as costas da Leila pela contratação de reforços, a conquista desse título, no mínimo, deveria evidenciar, além do mérito ao seu trabalho, o reconhecimento a uma forma de gestão e planejamento pautadas pelo equilíbrio, firmeza, transparência, coerência e comprometimento com o time.
Sobretudo num contexto onde o futebol no mundo passa por mudanças delicadas, perdendo características essenciais como a identidade do próprio time, a exemplo do que permite o sistema SAF, vencer este campeonato apostando no potencial das categorias de base como o reforço suficiente, dado o nível e entrosamento do elenco, seria significativo por esses entre outros importantes aspectos.
Exemplo de gestão cujos resultados simbolizam que o modelo inspirado pelo futebol europeu, onde investimentos milionários na formação de times compostos por estrelas em ascensão, com salários astronômicos e fora da realidade do futebol no resto do mundo, sem nenhum tipo de comprometimento com a essência do futebol, transformando o esporte mais popular do mundo em mero nicho de negócios, passa longe de ser absoluto.
Não há prova maior de amor ao Palmeiras que a gestão de Leila Pereira. Ela e a CREFISA não precisavam do Palmeiras para enriquecer. Mas o Palmeiras precisava ser fortalecido e adquirir auto suficiência. Como
empresária de sucesso e torcedora responsável, Leila, por meio da CREFISA, proporcionou ao clube sucesso dentro e fora do campo, bem como à CREFISA, lucrar por meio do patrocínio sem esfolar o clube.
Quando a CREFISA se for, não levará nosso sangue junto, como ocorreu com a Parmalat.
É evidente que investimento por meio de grandes patrocínios é fundamental para que qualquer time mantenha competitividade e não será possível associar patrocínio e paixão, a exemplo de CREFISA/Leila
Pereira com o Palmeiras. Porém, a fórmula que harmoniza investimento de patrocínio com gestão honesta e competente, deve servir como exemplo.
Nascida em Araraquara, o amor pela Ferroviária divide meu coração em verde e grená. Adotado o sistema SAF recentemente, o temor pela perda da identidade com o time ao se transformar em “clube empresa” é comum aos demais torcedores de times de pequeno e médio porte que passaram por transformação semelhante para se adaptarem à lógica do mercado do futebol. Guardadas as devidas proporções, encontrar parceria confiável que estabeleça projetos de longo prazo, medida e atestada por meio de
indicadores a exemplo dos demonstrados entre CREFISA e Palmeiras ao longo dos anos, pode simbolizar a vida ou a morte de clubes do porte como nossa Locomotiva.
De formas diretas ou indiretas, a gestão de Leila Pereira marca resistência e caminho alternativo em benefício de um clube grande assim como pequeno. Modelo perfeitamente replicável na gestão de clubes Brasil afora, sejam eles SAF ou não, estejam eles na divisão de elite ou nas divisões inferiores. Mesmo porque, o Palmeiras não se transformou em SAF, contudo, o trabalho realizado por Leila profissionalizou e modernizou a gestão do clube tornando-o mais próximo dos conceitos de gestão empresarial que a velha e viciada gestão de associações desportivas.
Colocar Abel Ferreira sob holofotes de forma a ofuscar os méritos da Leila não reflete apenas o machismo que ainda predomina no futebol. Mas também um pensamento retrógrado dificultando que as boas práticas
adotadas na gestão de um clube possam, de fato, inspirar a modernização e evolução da gestão de outros.
Por tudo isso, não me surpreende que seja uma mulher a desbravar seara tão contaminada pelo machismo no futebol: a cartolagem dos bastidores. Ainda que lamente profundamente essa falta de reconhecimento, me motiva que apesar dos pesares, sua trajetória já mudou percursos e está fazendo a diferença.
Fico a imaginar o que seria se tivéssemos uma Leila Pereira à frente da CBF, da Conmembol e da FIFA. A julgar pelo “andamento da carruagem”, por sua liderança nesse processo da formação da Libra, o que implica uma reação construtiva à incompetência e corrupção da CBF, um otimismo me leva acreditar que cenário como esse é questão de tempo.
Avante, Leila Pereira! Como palmeirense, já me enche de orgulho ser o Palmeiras, meu time do coração, o pioneiro a ser presidido por uma mulher. Como mulher e fanática por futebol, me orgulha ainda mais ver no
trabalho liderado por uma mulher o exemplo de práticas e condutas que beneficiarão o futebol como um todo no Brasil.
E que pode ser um contraponto determinante à lógica nefasta que tende a solapar não apenas a sobrevida de clubes médios e pequenos, mas também, as virtudes e singularidades únicas do estilo marcante do futebol brasileiro.
É delicioso finalizar esse texto com frase dita por Leila após reunião com o Flamengo, ocorrida no último dia 13 para tratar da Liga (Libra), onde suas provocações evidenciam o nível de vício e ganância que gradualmente vêm destruindo o futebol no Brasil: “Se acham que o futebol brasileiro é pequeno para eles, que vão para a Europa, o Real Madrid está lá esperando.”
Lugar de medíocre é no esquecimento. A História faz justiça a quem merece e a página de Leila Pereira já está sendo escrita para além dos muros do Allianz Parque!
*Gabriela Palombo é Bacharel em História.