sexta-feira, 22, novembro, 2024

Morte de Zé Celso deixa lacuna no teatro nacional

O araraquarense é considerado um dos principais dramaturgos do país, tendo se tornado um dos maiores nomes do meio a partir dos anos 60 ao liderar o Teatro Oficina

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A morte do dramaturgo Zé Celso Martinez Corrêa deixa uma lacuna que dificilmente será superada no teatro nacional. O araraquarense morreu na manhã da última quinta-feira (6), em São Paulo.

O estado de saúde do dramaturgo havia tido um agravamento na quarta-feira, de acordo com a médica Luciana Domschke, que o acompanha há anos. Ele havia sido internado na UTI do Hospital das Clínicas desde a manhã de terça-feira (4), após sofrer queimaduras devido a um incêndio em seu apartamento no Paraíso, Zona Sul da capital paulista.

Zé Celso, de 86 anos, estava dormindo em seu quarto quando, por volta das 7h30, sua casa começou a pegar fogo. De acordo com vizinhos, a suspeita é que o fogo tenha começado após um curto-circuito do aquecedor. O 36º DP (Vila Mariana) da Polícia Civil investiga as causas do incêndio.

No apartamento, havia outras três pessoas: seu marido Marcelo Drummond, e os atores Victor Rosa e Ricardo Bittencourt. Os três não sofreram queimaduras, mas foram encaminhados para um hospital porque inalaram muita fumaça. Victor foi o responsável por puxar o dramaturgo, que estava deitado no chão com muitas queimaduras. O apartamento de Zé Celso fica no sexto e último andar do prédio.

Foto: Cláudio Lara Ruiz

Biografia

José Celso Martinez Corrêa nasceu em Araraquara, em 1937. O diretor, autor e ator, que é um dos principais líderes do teatro brasileiro, foi entrevistado diversas vezes pelo Jornal O Imparcial durante a sua vida.

Sua influência artística foi além dos palcos, aparecendo também em obras do cinema, como “O rei da vela” e “25”.

Sem medo de experimentações e com constante desejo de renovação, Zé Celso provocou atores e público, criando um teatro mais sensorial, sempre guiado pela realidade política e cultura do país.

Zé Celso estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde participou do Centro Acadêmico. O diretor não concluiu o curso, mas foi durante seu período universitário que fundou o Grupo de Teatro Amador Oficina, no final da década de 1950.

Inquieto e irreverente, o artista se destacou com suas montagens de criações coletivas. Seu primeiro texto como autor, “Vento Forte para um Papagaio Subir”, foi levado aos palcos pela companhia em 1958. Em entrevista, Zé Celso contou que escreveu a peça em 40 minutos. E foi ali que decidiu que iria dedicar sua vida à dramaturgia.

Em 1961, o grupo ganhou uma sede na Rua Jaceguai, no Centro da capital paulista, e se profissionalizou, se tornando o tradicional Teatro Oficina. Desde 1982, o Teatro Oficina é tombado como patrimônio histórico. A companhia é considerada uma das mais longevas em atividade no Brasil.

Em 1964, Zé Celso levou ao palco a peça “Andorra”, que marcou sua transição do realismo para um teatro com uma postura mais crítica, inspirada no teatro épico do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Nesse período, Zé Celso viajou para a Europa para aprofundar seus estudos sobre Brecht. Anos após sua volta, o diretor levou o texto do alemão “Galileu Galilei” para os palcos do Oficina.

Em 1966, a sede do teatro foi destruída por um incêndio provocado por grupos paramilitares. Para reconstrução do espaço, o grupo levantou fundos fazendo remontagens de antigos sucessos no palco.

No ano seguinte, o Oficina ressurgiu com o espetáculo “O rei da vela”, que entrou para a história da dramaturgia brasileira.

Baseado na obra de Oswald de Andrade, o espetáculo foi dedicado ao cineasta Glauber Rocha e era uma peça marcada pelo engajamento político, pela necessidade de promover rupturas e pelas ideias do movimento tropicalista.

No final da década de 1968, Zé Celso levou ao Rio de Janeiro sua primeira peça fora do Teatro Oficina. Na ocasião, ele dirigiu o histórico espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, com um tom provocador. O espetáculo ganhou remontagem em 2019.

Na peça, os atores incitavam a plateia fisicamente, iniciando algo que se tornou uma marca nos trabalhos do diretor.

Com os trabalhos seguintes, Zé Celso foi aumentando ainda mais os projetos sensoriais, que estimulam os atores ao improviso e colocam a plateia em uma posição secundária nos espetáculos.

Essas iniciativas de Zé em transformar a relação entre o palco e a plateia chegaram a gerar um movimento chamado por ele de te-ato.

Os integrantes do Teatro Oficina foram perseguidos pelo regime militar. Em 1974, Zé Celso partiu para o exílio em Portugal depois de ficar detido por 20 dias e ser torturado. Durante o exílio, apresentou algumas peças e dirigiu o documentário “O Parto”, retornando para o Brasil em 1978.

Na década de 1980, Zé Celso ficou afastado dos palcos, se dedicando a pesquisas e a oficinas ministradas no espaço.

O retorno de Zé Celso para atuação aconteceu em 1991 na peça “As Boas”, na qual atuou ao lado de Raul Cortez e Marcelo Drummond.

Em 1993, subiu ao palco com a peça “Ham-let”, dirigida por ele. Com o espetáculo, venceu a categoria de melhor Diretor do Prêmio Shell naquele ano. A vitória foi uma entre as dezenas conquistadas pelo artista ao longo da carreira, incluindo premiações no Troféu APCA, no Troféu APCT e no Festival de Gramado.

Ao longo de sua trajetória, Zé Celso também atuou em filmes como “Arido Movie” e “Encarnação do Demônio”, dirigido por José Mojica Marins, o Zé do Caixão.

Em 2005, Zé Celso levou a montagem “Os Sertões” para Alemanha. A imprensa local chamou o espetáculo de “teatro pornô” pelo fato de os atores ficarem nus em algumas cenas.

Em junho de 2023, Zé Celso se casou com o ator Marcelo Drummond  após quase 40 anos de relação. A festa aconteceu no Teatro Oficina em uma cerimônia que trouxe muita música, encenações e rituais artísticos, com apresentações de cenas de atrizes como Bete Coelho e Leona Cavalli, e números musicais de Daniela Mercury e Marina Lima.

Lula lamentou a morte do araraquarense

“O Brasil se despede hoje de um dos maiores nomes da história do teatro brasileiro, um dos seus mais criativos artistas. José Celso Martinez Correa, ou Zé Celso, como sempre foi chamado carinhosamente, foi por toda a sua vida um artista que buscou a inovação e a renovação do teatro.

Corajoso, sempre defendeu a democracia e a criatividade, muitas vezes enfrentando a censura. Transformou o Teatro Oficina em São Paulo em um espaço vivo de formação de novos artistas. Deixa um imenso legado na dramaturgia brasileira e na cultura nacional. Meus sentimentos aos seus familiares, alunos e admiradores. O legado de José Celso Martinez marcou a história das artes no Brasil e não será esquecido”, diz a nota do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Identidade cultural e luto

“O dia começou muito triste com a notícia do falecimento de um amigo e um dos filhos mais ilustres de Araraquara; o ator e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa.

Araraquara carrega algo que é só nosso: a nossa identidade cultural, que faz de nós uma cidade diferente. E Zé Celso era um dos nossos maiores representantes na cultura nacional.

A grandiosidade de sua obra vai continuar brilhando nos palcos do mundo. Essa luz não se apaga e seu legado continua”, lamentou o prefeito Edinho Silva.

A Prefeitura de Araraquara decretou luto oficial de três dias por seu falecimento.

Despedida e homenagens

Com as portas abertas e uma multidão de pessoas, o Teatro Oficina realizou a última despedida de José Celso Martinez Corrêa. Despedida feita com muito choro de saudade, mas também com muitos abraços, festa, música, dança, palmas e diversas folhas, que balançaram no ar seguindo o movimento das mãos.

O velório do araraquarense teve início às 23h da quinta-feira (6) e seguiu até as 9h desta sexta-feira (7). O rito foi aberto ao público que foi organizado em filas para possibilitar a entrada de todos no teatro. A Rua Jaceguai permaneceu fechada para a passagem de carros e um telão foi montado.

A despedida ocorreu da forma como Zé Celso vivia: cercado de amor e espalhando alegria.

Redação

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