Cientistas mapeiam microbioma de usinas em busca de maior eficiência na produção de etanol

Estudo abre caminho para soluções capazes de aumentar os lucros e reduzir as emissões de CO2

Mais lido

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Técnica da Dinamarca (DTU) mapearam, em resolução nunca antes reportada, todos os microrganismos presentes na produção de bioetanol de cana-de-açúcar. O estudo revela cepas bacterianas capazes de melhorar o rendimento do combustível e indica tipos prejudiciais, gerando dados que podem impulsionar a eficiência do processo, aumentar os lucros e reduzir as emissões de carbono (CO2). Os resultados foram publicados na revista Nature Communications.

Assim como o corpo humano, composto por bactérias, fungos e vírus, as usinas de etanol também contam com um microbioma diversificado. Por serem ambientes abertos e não estéreis, abrigam, inclusive, micróbios que não têm relação direta com o processo de produção, mas que, ao crescerem ali, passam a utilizar o açúcar destinado ao combustível, desviando-o para outras funções e comprometendo o rendimento da fermentação. É o caso, por exemplo, das bactérias lácticas – as mesmas presentes no leite. Conhecer a fundo todos os microrganismos desse ecossistema pode indicar caminhos para solucionar esse tipo de problema.

No estudo financiado pela FAPESP (projetos 15/50684-9 e 18/17172-2), cientistas da Escola Politécnica (Poli) da USP e do Centro de Biossustentabilidade da Fundação Novo Nordisk da DTU, liderados pelo pesquisador Felipe Lino, identificaram e descreveram o microbioma completo de duas usinas localizadas no Estado de São Paulo em três épocas distintas do ano: no início (abril), no meio (julho) e no final da safra (novembro/dezembro).

Para isso, lançaram mão de sequenciamento metagenômico shotgun, uma abordagem de estudo de material genético que sequencia o DNA de todas as espécies presentes na amostra de forma abrangente, com o objetivo de entender sua composição e as interações entre os microrganismos. As bactérias coletadas foram isoladas em laboratório e testadas uma a uma.

“Olhamos para a indústria de cana-de-açúcar como um organismo vivo e, ao observar todas as células, pudemos determinar tanto a agressividade de cada uma para a fermentação quanto seu valor para a eficiência do processo de conversão de cana-de-açúcar em biocombustível, além de identificar os fatores ecológicos responsáveis por sustentar a dinâmica da comunidade”, conta Thiago Olitta Basso, professor do Departamento de Engenharia Química da Poli-USP e um dos coordenadores do estudo. “Observamos que a dinâmica entre as linhagens é crítica para o desempenho do processo. E que existe uma alternância de linhagens, em que cepas mais prejudiciais são selecionadas ao longo da safra. Além disso, dentro da mesma espécie, pode haver ‘tipos’ bons, ruins ou inofensivos.”

As informações geradas no trabalho podem levar a soluções de melhoria da eficiência do processo de produção de etanol em mais de 5%, aumentar os lucros do setor em US$ 1,6 bilhão e ainda reduzir as emissões de CO2 em 2 milhões de toneladas anualmente.

Uso de antibióticos

De acordo com Basso, além de abrir caminho para revolucionar o enfrentamento a um dos principais problemas da fermentação etanólica no Brasil – a contaminação –, o estudo pode aprofundar as conversas sobre um tema ainda pouco debatido na indústria, que é o uso de antibióticos.

“Atualmente, o padrão é adotar esse tipo de medicamento – de origem mais barata que aqueles desenvolvidos para uso humano, com amplo espectro de ação e que oferece possíveis riscos ao meio ambiente – para eliminar todos os microrganismos contaminantes, mesmo aqueles aparentemente sem qualquer influência no processo”, afirma o pesquisador.

“Temos buscado compreender o papel desses microrganismos contaminantes em trabalhos anteriores, onde já havíamos verificado um efeito muito distinto no processo entre diferentes cepas”, complementa.

“A ideia a partir deste estudo mais recente é que, em vez de simplesmente promover essa erradicação geral, passemos a considerar o uso de estratégias mais direcionadas a certas bactérias ou até mesmo o emprego das bactérias de ‘tipos’ bons ou inofensivos para controlar as nocivas, utilizando-as quase que como um ‘probiótico’, para modular o microbioma e reorganizar a flora local.”

A pesquisa também contou com a participação de dois alunos brasileiros orientados por Basso, Thamiris Guerra Giacon e Bruno Labate Vale da Costa.

Redação

Mais Artigos

Últimas Notícias